sexta-feira, 28 de março de 2014

O outro Brasil, aquele o futebol não vê. Uma visão do exterior

O Brasil está prestes a se tornar a Disneylândia da bola. Falta 90 dias, e o espetáculo começa.
A reportagem é de Maurizio Chierici, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 25-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Copa do Mundo não reúne apenas o patriotismo das bandeiras a tremular como nas trincheiras. Ela é a ONU da diversão dos recursos governados pela Fifa, sigla que poderia significar de Federação Internacional dos Fazedores de Acordos. Ela confia a organização dos espetáculos àqueles que garantirem construções imponentes, a partir dos quais obtém porcentagens que são contadas aos bilhões.

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Circenses sem pão: 30 milhões de brasileiros permanecem na fome, 60 milhões sobrevivem com o dinheiro da Bolsa Família e do FomeZero. "Copa para quem? Os pobres são retirados dos arredores dos estádios: no Rio, deportação de 170 mil refugiados da Copa do Mundo. Os esfarrapados que degradam o espetáculo devem desaparecer. Evacuação forçada dos mendigos. É proibido aos jovens vagar por onde os torcedoras passam: eles devem apodrecer nas periferias e morrer assassinados pelo tráfico de drogas, longe dos olhos das pessoas decentes. As regras da Fifa proíbem que os ambulantes vendam a mercadoria nas ruas que levam aos estádios. Um acordo comercial assegura o monopólio às empresas importantes".
De Fortaleza, a voz do padre Renato Chiera, missionário do Piemonte, há 36 anos ao redor das favelas. Na Baixada Fluminense, sobre as colinas que abraçam o Rio, ele abriu a primeira Casa do Menor, onde, todas as noites, jovens perseguidos pela polícia buscam refúgio: pequenos ladrões a serem mortos e expostos como aviso diante das lojas que eles roubam por desespero.
E meninas que vagam pelas ruas sem bonecas: passavam a noite nos cemitérios embalando recém-nascidos e recém-sepultados em caixas de sapatos.
Chiera abriu outras Casas do Menor para ensinar a escrever, educar para o trabalho e para a vida. Ele responde de Fortaleza, capital do turismo sexual para as carnes trêmulas que descem dos voos charter da Europa. Lá, as Casas do Menor são cinco, e os jovens são uma infinidade, mas há 10 meses as autoridades encerraram as suas ajudas. Elas têm que construir não só o estádio, mas também ampliar o aeroporto, inaugurar novas superestradas que cortam os acampamentos dos barracos. Esqueceram-se de construir pontes e passagens subterrâneas para as multidões que atravessam. No fundo, pessoas que não importam: massacres todos os dias.
"Talvez uma boa notícia: parece que o presidente da Fifa deu 10 mil francos (suíços) para a Casa do Menor. Fantástico..." Felicidade do padre pelos 8 mil euros que dão fôlego para os seus jovens, migalhas dos bilhões arrecadados. Ainda não está claro quanto foi gasto. O custo dos 12 estádios aumentou 263% em seis anos.
Obras inacabadas. Números provisórios do governo: 4,75 bilhões de euros: "Quem decidiu e quem controla? Com que regras são atribuídas as construções das obras milionárias inflados pela corrupção? A Alemanha tinha gasto 3,6 bilhões com a Copa. O Brasil, três vezes mais. Estádios como elefantes brancos nas cidades onde não existem times de profissionais da bola."
No país-continente, 500 mil moças e rapazes são explorados sexualmente. Vão acabar parando nas 12 cidades. Há um mês, o Exército e a polícia haviam "pacificado" as favelas do Rio e de São Paulo. Imaginavam libertas para sempre do império dos traficantes. Um mês depois, tudo segue como antes. E continua a violência que mata 50 mil adolescentes por ano.
Não é possível saber se as câmeras do futebol vão dar uma olhada nas pessoas que não vão ver os jogos. Não é possível saber se vão contar sobre a corrupção que inchou todos os contratos. E os bolsos dos políticos, a astúcia dos empresários. Distribuirão praias imaculadas e moças esbeltas. Futebol e paraíso, o Brasil das revistas.
É apenas o teste geral para as Olimpíadas de 2016, mas sem favelas e calçadões do crack, por favor.

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