Depois da grande novidade que foi o
envio de uma mensagem por parte do papa Francisco aos participantes do
13º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), algo inédito
na história destes encontros, agora uma nova surpresa.
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Também vinda de Roma, esta se fez chegar
por meio do recente discurso proferido pelo cardeal Walter Kasper no
Consistório, que debateu o tema do próximo Sínodo: a Família. A
surpresa, pouco percebida porque os analistas e jornalistas estão ávidos
por alguma mudança acerca do tema do acesso à Eucaristia para os casais
em segunda união, diz respeito à sugestão pastoral proposta pelo
cardeal para ajudar no fortalecimento dos núcleos familiares: as
Comunidades Eclesiais de Base (“Igrejas domésticas”).
De fato, o papa Francisco já havia
chamado a atenção para a importância delas na superação da “tentação do
clericalismo” quando do seu discurso aos membros do CELAM no Rio de
Janeiro em 28/07/2013. Para o Cardeal Kasper, as CEBs já não são mais
“uma esperança para a Igreja universal” (EN 58, 71), mas que “se
tornaram uma receita pastoral de sucesso”.
O Documento de Aparecida já chamava a
atenção para a necessidade de uma conversão pastoral em vista de uma
Igreja mais missionária, para isso sugeria no nº 372, em vista de uma
reforma nas estruturas, além da setorização da paróquia em unidades
territoriais menores, “a criação de comunidades de famílias que fomentam
a colocação em comum de sua fé cristã e das respostas dos problemas”.
Sob o conceito de “Igreja doméstica”,
Kasper amplia o seu sentido por meio de uma visão paulina, deixando de
lado aquela percepção reduzida na “família nuclear”, e vê a necessidade
“de grandes famílias de um novo tipo”. Para que as famílias nucleares
possam sobreviver elas precisariam, segundo ele, “estar inseridas em uma
coesão familiar (…), em círculos interfamiliares de vizinhos e amigos
em que as crianças possam ter um refúgio na ausência dos pais, e em que
os idosos sozinhos, os divorciados e os pais sozinhos possam encontrar
uma espécie de casa”.
Exatamente sobre isso falaram os bispos
do Brasil em sua “Mensagem ao Povo de Deus sobre as Comunidades
Eclesiais de Base (CNBB, doc. 92): “É preciso valorizar as experiências
de solidariedade básica (…). O cultivo da reciprocidade tem como espaço
primeiro aquele onde a vizinhança territorial é importante para a vida
cotidiana, como em áreas rurais, bairros de periferia e favelas. É a
solidariedade entre vizinhos – melhor dizendo, entre vizinhas – que
assegura o cuidado com crianças, idosos e doentes, por exemplo”. (p. 8)
Kasper também surpreende ao buscar nas
experiências das Igrejas Metodistas sua definição de “Igreja Doméstica”:
“eclesiola in ecclesia, uma Igreja pequena dentro da Igreja”. E foi no
“fim do mundo”, na América Latina, África e Ásia, que estas “Igrejas
domésticas” assumiram um rosto na forma de “comunidades cristãs de base”
(Basic Christian Communities) ou de “pequenas comunidades cristãs”
(Small Christian Communities).
O Documento de Aparecida procurou usar
estes mesmos dois termos (só com uma pequeníssima variação, ao invés de
“cristã” se escreve “eclesial”: “comunidades eclesiais de base” e
“pequenas comunidades eclesiais”), mas dando a entender que seriam
realidades diferentes. Os nos 178 e 179 descrevem bem as características
eclesiológicas fundamentais das CEBs, mas nos nos 99(e), 178 e 180,
procura admoestá-las para a necessidade de se manterem em “fidelidade ao
Magistério” para não perderem seu sentido eclesial. Com o intuito de
“higienizar” as CEBs, Aparecida oferece um termo mais “asséptico” de
“pequenas comunidades eclesiais” e faz uma descrição delas nos nos 307
ao 310. Sabe-se muito bem que estes “acréscimos” foram impetradas pelo
falecido cardeal Afonso Lopez Trujillo.
Em sentido contrário, o cardeal Walter
Kasper não cai nesta “paranoia trujiliana” e as descreve em sua
plenitude eclesiológica com aqueles seus elementos estruturantes:
martyria, kérigma, leitourghia, koinonia e diakonia. As “comunidades
eclesiais de base” (Igrejas domésticas) “se dedicam à partilha da
Bíblia”, da Palavra de Deus “obtêm luz e força para a sua vida
cotidiana”, sendo “chamadas de modo particular a transmitir a fé no seu
respectivo ambiente”, possuem “uma tarefa profética e missionária” e “o
seu testemunho é sobretudo o testemunho de vida, através do qual podem
ser fermento no mundo” (testemunho de fé); “têm a importante tarefa
catequética de guiar rumo à alegria da fé” e “a evangelização é a sua
identidade mais profunda”(anúncio); “rezam juntas pelas próprias
intenções e pelos problemas do mundo” e a “eucaristia dominical [é]
celebrada por elas junto com a comunidade inteira como fonte e cume de
toda a vida cristã” (celebração da fé); “são lugares de uma
espiritualidade da comunhão na qual nos aceitamos reciprocamente em
espírito de amor, de perdão e de reconciliação, e em que se compartilham
alegrias e dores, preocupações e tristezas, contentamento e felicidade
na vida cotidiana, no domingo e nos dias de festa” (comunhão); e estão
sempre ao lado dos “sofredores de todos os tipos, às pessoas simples e
aos pequenos”, sabendo que “Reino de Deus pertence às crianças”
(serviço).
No momento em que a Igreja do Brasil se
vê debatendo o documento de estudos proposto pela CNBB, “Comunidade de
comunidades: uma nova paróquia”, este discurso do cardeal Walter Kasper
confirma a opção pastoral que foi feita aqui ainda durante o Concílio
Vaticano II. Por isso, ele acerta em cheio no seu diagnóstico: “sem as
Igrejas domésticas”, sem as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), “a
Igreja é alheia à realidade concreta da vida. [Elas] São o caminho da
Igreja”.
Por Sergio Coutinho
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