quarta-feira, 26 de março de 2014

A importância das CEBs para as famílias: a proposta desconcertante de Walter Kasper

Depois da grande novidade que foi o envio de uma mensagem por parte do papa Francisco aos participantes do 13º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), algo inédito na história destes encontros, agora uma nova surpresa.

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Também vinda de Roma, esta se fez chegar por meio do recente discurso proferido pelo cardeal Walter Kasper no Consistório, que debateu o tema do próximo Sínodo: a Família. A surpresa, pouco percebida porque os analistas e jornalistas estão ávidos por alguma mudança acerca do tema do acesso à Eucaristia para os casais em segunda união, diz respeito à sugestão pastoral proposta pelo cardeal para ajudar no fortalecimento dos núcleos familiares: as Comunidades Eclesiais de Base (“Igrejas domésticas”).
De fato, o papa Francisco já havia chamado a atenção para a importância delas na superação da “tentação do clericalismo” quando do seu discurso aos membros do CELAM no Rio de Janeiro em 28/07/2013. Para o Cardeal Kasper, as CEBs já não são mais “uma esperança para a Igreja universal” (EN 58, 71), mas que “se tornaram uma receita pastoral de sucesso”.
O Documento de Aparecida já chamava a atenção para a necessidade de uma conversão pastoral em vista de uma Igreja mais missionária, para isso sugeria no nº 372, em vista de uma reforma nas estruturas, além da setorização da paróquia em unidades territoriais menores, “a criação de comunidades de famílias que fomentam a colocação em comum de sua fé cristã e das respostas dos problemas”.
Sob o conceito de “Igreja doméstica”, Kasper amplia o seu sentido por meio de uma visão paulina, deixando de lado aquela percepção reduzida na “família nuclear”, e vê a necessidade “de grandes famílias de um novo tipo”. Para que as famílias nucleares possam sobreviver elas precisariam, segundo ele, “estar inseridas em uma coesão familiar (…), em círculos interfamiliares de vizinhos e amigos em que as crianças possam ter um refúgio na ausência dos pais, e em que os idosos sozinhos, os divorciados e os pais sozinhos possam encontrar uma espécie de casa”.
Exatamente sobre isso falaram os bispos do Brasil em sua “Mensagem ao Povo de Deus sobre as Comunidades Eclesiais de Base (CNBB, doc. 92): “É preciso valorizar as experiências de solidariedade básica (…). O cultivo da reciprocidade tem como espaço primeiro aquele onde a vizinhança territorial é importante para a vida cotidiana, como em áreas rurais, bairros de periferia e favelas. É a solidariedade entre vizinhos – melhor dizendo, entre vizinhas – que assegura o cuidado com crianças, idosos e doentes, por exemplo”. (p. 8)
Kasper também surpreende ao buscar nas experiências das Igrejas Metodistas sua definição de “Igreja Doméstica”: “eclesiola in ecclesia, uma Igreja pequena dentro da Igreja”. E foi no “fim do mundo”, na América Latina, África e Ásia, que estas “Igrejas domésticas” assumiram um rosto na forma de “comunidades cristãs de base” (Basic Christian Communities) ou de “pequenas comunidades cristãs” (Small Christian Communities).
O Documento de Aparecida procurou usar estes mesmos dois termos (só com uma pequeníssima variação, ao invés de “cristã” se escreve “eclesial”: “comunidades eclesiais de base” e “pequenas comunidades eclesiais”), mas dando a entender que seriam realidades diferentes. Os nos 178 e 179 descrevem bem as características eclesiológicas fundamentais das CEBs, mas nos nos 99(e), 178 e 180, procura admoestá-las para a necessidade de se manterem em “fidelidade ao Magistério” para não perderem seu sentido eclesial. Com o intuito de “higienizar” as CEBs, Aparecida oferece um termo mais “asséptico” de “pequenas comunidades eclesiais” e faz uma descrição delas nos nos 307 ao 310. Sabe-se muito bem que estes “acréscimos” foram impetradas pelo falecido cardeal Afonso Lopez Trujillo.
Em sentido contrário, o cardeal Walter Kasper não cai nesta “paranoia trujiliana” e as descreve em sua plenitude eclesiológica com aqueles seus elementos estruturantes: martyria, kérigma, leitourghia, koinonia e diakonia. As “comunidades eclesiais de base” (Igrejas domésticas) “se dedicam à partilha da Bíblia”, da Palavra de Deus “obtêm luz e força para a sua vida cotidiana”, sendo “chamadas de modo particular a transmitir a fé no seu respectivo ambiente”, possuem “uma tarefa profética e missionária” e “o seu testemunho é sobretudo o testemunho de vida, através do qual podem ser fermento no mundo” (testemunho de fé); “têm a importante tarefa catequética de guiar rumo à alegria da fé” e “a evangelização é a sua identidade mais profunda”(anúncio); “rezam juntas pelas próprias intenções e pelos problemas do mundo” e a “eucaristia dominical [é] celebrada por elas junto com a comunidade inteira como fonte e cume de toda a vida cristã” (celebração da fé); “são lugares de uma espiritualidade da comunhão na qual nos aceitamos reciprocamente em espírito de amor, de perdão e de reconciliação, e em que se compartilham alegrias e dores, preocupações e tristezas, contentamento e felicidade na vida cotidiana, no domingo e nos dias de festa” (comunhão); e estão sempre ao lado dos “sofredores de todos os tipos, às pessoas simples e aos pequenos”, sabendo que “Reino de Deus pertence às crianças” (serviço).
No momento em que a Igreja do Brasil se vê debatendo o documento de estudos proposto pela CNBB, “Comunidade de comunidades: uma nova paróquia”, este discurso do cardeal Walter Kasper confirma a opção pastoral que foi feita aqui ainda durante o Concílio Vaticano II. Por isso, ele acerta em cheio no seu diagnóstico: “sem as Igrejas domésticas”, sem as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), “a Igreja é alheia à realidade concreta da vida. [Elas] São o caminho da Igreja”.
Por Sergio Coutinho

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