terça-feira, 18 de março de 2014

A dimensão social da evangelização


Por Pe. Almir Magalhães*
O título desta reflexão se refere ao capítulo IV da Exortação Apostólica alegrtia, (Evangelii Gaudium em latim) do Papa Francisco, de 24/11/13. Partilho aqui de algumas ideias do referido texto. Temos hoje um cenário de Igreja hegemônico, que basicamente descarta a presença pública da Igreja, a questão social e é marcado por um perfil eminentemente pós-moderno ou de uma sociedade líquida, como queiram. O texto do Papa é uma ajuda para a mudança de rumos.

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Ressalte-se que este capítulo compreende mais de sessenta páginas, ficando evidente que farei escolhas, em função do espaço que me é permitido.
O Papa evidencia que a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus e que nossa resposta de amor também não deveria ser entendida como uma mera soma de gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados, o que poderia constituir uma “caridade por receita”, uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência. A proposta é o Reino de Deus (cf. Lc. 4,43)… na medida que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos. Por isso, tanto o anúncio como a experiência cristã tendem a provocar consequências sociais. (cf. EG, n.180).
Já é de domínio público que o Papa Francisco tem um estilo de se expressar com simplicidade e objetividade. Penso que ele levanta uma questão interessante e que toca profundamente este perfil predominante do modo de ser Igreja, quando afirma que “Já não se pode afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito privado e serve apenas para preparar as almas para o céu mas que Deus deseja a felicidade de seus filhos também nesta terra e que Deus criou todas as coisas para “nosso usufruto”( I Tm 6, 17) e que todos possam usufruir delas. Por este motivo, a conversão cristã exige rever “especialmente tudo o que diz respeito à ordem social e a consecução do bem comum”(cf. EG n. 182).
Ora, esta é justamente a análise que pastoralistas e sociólogos da religião fazem hoje: temos um modo de expressar a religião de modo intimista, privado, “eu e meu Deus” numa direção verticalista, esquecendo-se do que se passa ao seu redor, das relações com o próximo, não importando-se com a relação fé x vida.
Não por acaso as últimas diretrizes da Igreja no Brasil, Doc. 94 da CNBB, afirmam: que o discípulo missionário observa, com preocupação, o surgimento de certas práticas e vivências religiosas, predominantemente ligadas ao emocionalismo e ao sentimentalismo, busca-se a própria satisfação, prescinde-se do bem maior, o amor de Deus e o serviço aos semelhantes. (Cf. Doc. 94 da CNBB, n. 22). Na mesma linha o Papa Emérito no discurso de abertura da Conferência de Aparecida chamou a atenção para o significado de santidade, afirmando que ela não é fuga para um intimismo ou individualismo religioso, tampouco o abandono da realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo, e muito menos fuga da realidade para um mundo exclusivamente espiritual (cf. DAp n. 148 e Discurso Inaugural do Papa n. 3).
No documento que estamos refletindo, Papa Francisco alerta para o fato de que “ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos… uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois de nossa passagem por ela” (EG n. 183).
Finalizando, tudo isto nos leva a refletir sobre a vida é ameaçada, negada, desrespeitada e banalizada e, neste sentido o capítulo 25 do Evangelho de Mateus é o horizonte, o gabarito para o “vestibular final” que começa aqui e agora e nos permite dizer que os aplausos ao Papa Francisco, frutos de seus pronunciamentos acompanhados de gestos e de testemunhos, são um momento muito especial para nós cristãos e a Igreja, pois se nós temos ouvidos para ouvir, então ouçamos o que o Espírito de Deus diz às Igrejas (cf. Apocalipse, 2,7.11.17.29; 3, 6.13.22).
*Almir Magalhães é padre da Arquidiocese de Fortaleza e diretor da Faculdade Católica de Fortaleza.
Artigo publicado no Jornal O Povo em http://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2014/03/15/noticiasjornalespiritualidade,3220775/a-dimensao-social-da-evangelizacao.shtml

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