Há um ano, Roma tem um papa mais que pop
13.03.2014
Com um discurso de humildade e renovação, o novo pontífice ganhou admiradores até mesmo entre pessoas que se definem como ateus
Quando o gaúcho Humberto Gessinger gravou "O papa é pop", no ano de 1990, em referência ao popular pontífice João Paulo II, provavelmente ele não imaginava que 23 anos depois a Igreja Católica teria como papa uma figura ainda mais carismática. Mas há exatamente um ano, pouco mais de um mês após a surpreendente renúncia do papa Bento XVI, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, foi eleito o 266º papa, sendo o primeiro jesuíta e o primeiro americano da história, e o primeiro não-europeu em 1.200 anos.
Adotando o nome de Francisco, em referência a um dos maiores ícones da fé católica, sua popularidade transcendeu, em apenas 365 dias, os limites do mundo cristão. Com um discurso de humildade e renovação, o papa Francisco ganhou admiradores até mesmo entre pessoas que se definem como ateus.
No Brasil, principalmente após sua participação na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em julho do ano passado, o efeito de suas ações, discursos e homilias pôde ser medido no aumento do número de jovens participantes de atividades ou grupos ligados à Igreja ou ainda mais no entusiasmo com que esses mesmos jovens se referem ao novo papa.
Marcas no mundo
O exemplo de simplicidade do papa Francisco rapidamente ganhou seguidores (ele tem 12 milhões na rede social Twitter) entre pessoas de diversos credos.
Ao recusar honrarias e privilégios concedidos tradicionalmente aos papas, ele chegou até mesmo a chocar alas mais conservadoras do catolicismo.
Mas para o Doutor em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, Thiago Borges de Aguiar, a mudança no estilo se fazia necessária diante da perda de prestígio da Igreja Católica junto, principalmente, aos formadores de opinião.
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"A posição de Francisco de aproximar a Igreja dos pobres visa marcar um lugar de relevância da Igreja perante o mundo", analisa. Segundo Aguiar, "o papa Francisco dá continuidade ao que vinha fazendo João Paulo II e que foi, de certo modo, interrompido por Bento XVI: deixar marcas da Igreja no mundo".
Nesse sentido, o papa tem apelado à paz nas várias regiões afetadas por conflito. Além disso, ele visitou cidades simbólicas como Lampedusa, na Itália, onde tratou do tema da imigração e comandou, no Rio de Janeiro, o maior encontro católico jovem do planeta Terra.
Mudanças internas na Igreja trazem reconhecimento
Quanto às questões internas, o papa Francisco fez mudanças no Banco do Vaticano, nomeou 19 novos cardeais, sendo 11 não europeus, e está conduzindo os processos de canonização dos papas João Paulo II e João XXIII.
Sua atuação já lhe rendeu o título de personalidade do ano pela tradicional revista norte-americana Time, em 2013, e uma indicação para o Prêmio Nobel da Paz deste ano.
No imaginário popular, já foi retratado até como um super-herói, por grafiteiros anônimos em Roma, embora rejeite o rótulo de popstar. Modéstia papal à parte, para o padre Sílvio Scopel, responsável pela Comunidade Católica Shalom, no Ceará, a presença do novo pontífice conseguiu alavancar a presença dos fieis em eventos e campanhas da Igreja. "Temos agora uma igreja muito evangelizadora, temos uma igreja cada vez mais despojada de bens materiais e empenhada em difundir os valores de Jesus Cristo", analisa.
Já para Thiago Aguiar "sai o teólogo entra o pastor, mas poderia também dizer que sai o intelectual e entra o político".
Trajetória papal foi do futebol à Santa Sé
Nascido em Buenos Aires, numa família de imigrantes italianos, Francisco teve uma juventude relativamente comum, acompanhando os jogos do seu clube de futebol do coração, o San Lorenzo, namorando uma moça de nome Amalia. Mas aos 21 anos, ele ingressou na Companhia de Jesus e dedicou todos os 55 anos seguintes ao clero, tendo sido ordenado em 1969. Em 1992, foi nomeado bispo e seis anos depois arcebispo. Em 2001, tornou-se cardeal.
Nos 12 anos seguintes, consolidou sua imagem como homem carismático e aos poucos ganhou a confiança dos outros cardeais de que poderia trazer uma renovação. Então, no dia 11 de fevereiro do ano passado, o papa Bento XVI renunciou e pegou todo o mundo de surpresa. Um mês e dois dias depois, no segundo dia do conclave para eleição do novo pontífice, houve outra surpresa: um argentino recebeu a tarefa de guiar mais de 1,2 bilhão de católicos.
Um pontífice argentino no "país de Deus"
Além do carisma, o papa Francisco mostrou, em poucos meses de pontificado, outras duas características muito fortes: o bom humor e o desejo de aproximar a Igreja da juventude. Em julho de 2013, entre os dias 23 e 28, o novo papa pôde exercitar as duas coisas. Já no voo para o Brasil, onde conduziu a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, ele brincou com uma famosa expressão nacional. Poucas horas antes de chegar ao país com o maior número de católicos no mundo (cerca de 123,2 milhões, segundo o último censo), ele interrogou: "Deus é brasileiro e vocês ainda queriam um papa?" Nos dias seguintes, o papa foi seguido com entusiasmo por uma multidão estimada em 3,7 milhões de pessoas.
Especialista avalia papel estratégico do novo papa
O estudioso da religião Thiago Aguiar respondeu a oito perguntas feitas pelo Diário do Nordeste sobre o papel da chegada de Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, na tentativa de renovação da Igreja Católica e seu impacto frente aos jovens, ao mundo não católico e ao próprio clero. Confira abaixo a análise do especialista:
Qual a marca do primeiro ano de pontificado do Papa Francisco?
O primeiro ano de pontificado do Papa Francisco é marcado pela imagem da mudança, a partir da construção de uma sensação de estabilidade e de tomada do controle de uma situação que estava se perdendo. Mas é importante destacar que não estou dizendo que houve, de fato, alguma mudança e nem que os conflitos que permearam a renúncia de Bento XVI estão resolvidos. O que temos é que a Igreja conseguiu construir e difundir, com o Papa Francisco e suas ações, essa imagem de mudança.
Quais as principais diferenças entre os estilos de pontificado dos Papas Francisco e Bento XVI? O que representou a renúncia deste último para a Igreja?
Sai o teólogo entra o pastor, mas poderia também dizer que sai o intelectual e entra o político. O carisma de Francisco é fundamental. Esse carisma ajudou a deixar uma marca tão forte que faz com que até nem lembremos do papa anterior. É como se a renúncia não tivesse deixado nenhuma marca, como se tivéssemos esquecido que Bento XVI renunciou. Veja, ele está vivo, apareceu na nomeação dos Cardeais, deu uma entrevista, mas ele deixou de ser um nome relevante.
Penso que é proposital este “esquecimento” que a igreja faz com a renúncia do Bento XVI. Um papa renunciar é um evento raro e, com sua saída, Bento XVI deixou uma marca de que há mudanças que são necessárias na Igreja. Francisco se apropriou dessa marca e dá sequência a ela.
Eu não sei quem é o Sr. Jorge Bergoglio. Ele pode mesmo ser uma pessoa boa. Mas tudo o que sabemos a seu respeito já está marcado pela imagem de Papa Francisco, que é uma imagem carismática. E esse carisma é o elemento central da sensação de mudança que temos. Um líder carismático traz a sensação de estabilidade, confiança e tranquilidade. O que não necessariamente é o que o Vaticano está vivendo.
A defesa dos direitos humanos e a aproximação com outros religiosos e até com grupos ateus têm sido elogiada por grupos de fora do catolicismo, como uma das maiores virtudes do Papa Francisco. Como o senhor enxerga os esforços do novo pontífice em fazer a Igreja se aproximar também do mundo não católico?
A Igreja Católica vem há séculos tentando sustentar seu lugar como detentora da verdade. Desde o momento em que a ciência moderna se consolida como fonte privilegiada das verdades que a humanidade está buscando, a igreja tenta se consolidar como alternativa. Era a visão hegemônica e tornou-se a alternativa. Como estratégia para se manter como fonte de alguma verdade – a ponto de as pessoas a considerarem relevante para a sociedade – ela se esforça por diminuir a força dos ataques que recebe, mostra-se uma instituição mais tolerante, que dialoga com todos. O papa Francisco, ao fazer essa aproximação com o mundo não católico, transmite a imagem de uma igreja que parece presente e atual, reduzindo os argumentos contrários à sua existência e se mantendo como uma alternativa para as pessoas escolherem como verdade. É uma ação estratégica para se manter presente no mundo.
Muitos analistas à época da renúncia do Papa Bento XVI, falavam da necessidade de uma renovação da Igreja. O senhor acredita que o Papa Francisco já conseguiu imprimir esse espírito na condução do Vaticano ou o caminho ainda é muito longo?
As pessoas precisam acreditar que a Igreja está mudando. Isso é que é relevante para o Vaticano. Não estou dizendo que o papa Francisco não esteja realizando mudanças importantes. Talvez até esteja. Mas, para a “saúde” da Igreja, é mais importante que as pessoas acreditem que elas estão ocorrendo. Eu ainda prefiro esperar um pouco antes de apostar que o papa efetivamente fará grandes mudanças na Igreja. Conhecendo a história desta instituição, mudanças significativas demoram séculos para se estabelecer. A sensação que esse primeiro ano de papado me trouxe é que haverá pequenas mudanças pontuais, que respondam a questões imediatas, especialmente ligadas à administração financeira do Vaticano e a nomeação de alguns cardeais que façam a Igreja parecer menos europeia ou, pelo menos, menos italiana.
Embora não tenha apoiado explicitamente, o Papa Francisco se mostrou, em entrevistas, mais maleável à discussão de mudanças estruturais no clero católico, como a ordenação de mulheres e o fim do celibato obrigatório. O senhor acredita que o novo pontífice chegue a promover esse tipo de mudança ou algum outro nível de alteração na estrutura eclesiástica?
A ordenação de mulheres e o fim do celibato estão, na minha opinião, muito longe de se realizarem. Entre “estar aberto a debater a questão” e ocorrer uma mudança deste tipo há uma distância muito grande. No mínimo, algumas décadas. E a palavra “décadas” aqui é muito otimista. A gente precisa ver a diferença entre o que a mídia proclama como temas relevantes e o que o Vaticano considera como fundamental para ser estudado e modificado na estrutura da Igreja. A questão que me parece de maior destaque para o Vaticano nas últimas décadas, se não desde o Concílio Vaticano II pelo menos desde João Paulo II, é a presença e o papel da Igreja no mundo. Esta é uma questão forte para a instituição, visto que seu lugar se modificou nos últimos séculos. A posição de Francisco de aproximar a Igreja dos pobres visa marcar um lugar de relevância da Igreja perante o mundo. É importante para a Igreja Católica manter-se ativa no mundo. É importante para o Vaticano continuar a ter um posicionamento sobre tudo o que a acontece e as pessoas continuarem a dar atenção a essa posição. Qual é o sentido de uma fala do papa sobre guerras e conflitos violentos nos países? Manter a Igreja sempre tendo o que dizer para o mundo. O papa Francisco dá continuidade ao que vinha fazendo João Paulo II e que foi, de certo modo, interrompido por Bento XVI: deixa marcas da Igreja no mundo.
E quanto às reformas na estrutura financeira do Vaticano, que análise o senhor faz das primeiras ações do Papa Francisco nesse ponto?
Iniciais, necessárias a uma resposta pontual e imediata da pressão da mídia. A especulação que este é um dos principais problemas do Vaticano é apenas isso: uma especulação. Em minha opinião, este é apenas um pedaço do problema. Reitero: a Igreja precisa se manter presente no mundo e, para isso, não pode ter sua imagem manchada. O papa Francisco é ótimo em construir uma nova imagem da Igreja e direcionar nossa preocupação para “outras questões mais relevantes”. A riqueza da Igreja Católica e a corrupção de parte de seus membros, é debate antigo, de pelo menos algumas centenas de anos. A questão do Banco do Vaticano é apenas a versão “século XXI” desse debate. Há muitos séculos o argumento da cúria com relação à riqueza da Igreja é o financiamento de suas obras de caridade. Há tantos séculos essa questão se mantém. Se levarmos a história da Igreja em consideração, esse problema não vai se resolver tão cedo. As reformas que o papa Francisco já apontou fazer, especialmente com as cartas apostólicas de 15 de novembro e de 24 de fevereiro, buscam responder a questões imediatas e talvez até interfiram na eventual má gestão ou corrupção de grupos anteriores, mas apenas tangenciam o centro da questão que é a falibilidade humana diante da riqueza material. A fala do papa que “Meu povo é pobre e eu sou um deles” e a referência de seu nome a São Francisco de Assis constroem um discurso de que a Igreja está se afastando da riqueza. Mas a Igreja Católica continua a ser uma instituição que movimenta muito dinheiro e vai continuar a fazê-lo. Assim ela se mantém no mundo.
Qual o perfil geral dos novos cardeais nomeados pelo Papa Francisco?
Deste assunto tenho pouco conhecimento para dizer. Posso mencionar, apenas, que a tão alardeada pela imprensa brasileira nomeação – um tanto esperada vinda de um papa argentino – de cardeais latino-americanos (6 de 19), bem como a inclusão de dois cardeais de países africanos e dois de países asiáticos, não pode esconder o fato que 8 cardeais são europeus, sendo 5 exclusivamente italianos. Percebamos, também, que quatro dos cardeais nomeados (três italianos e um alemão) já desempenhavam funções na Santa Sé. O Vaticano continua sendo uma instituição, primordialmente, italiana. Quanto aos perfis individuais, não tenho conhecimento para tratar disso.
Por fim, como o senhor vê a atuação do Papa Francisco junto à juventude católica? Qual o impacto do pontificado de V. Santidade na captação, manutenção e motivação desses jovens?
Jovens são mobilizadores, fortes, presentes. Uma juventude católica de peso é fundamental para a permanência da Igreja no mundo. O papa sabe que esta é uma prioridade. Eles representam o espírito da mudança e de fortalecimento da instituição. Não que eles venham a provocar mudanças significativas – estas, aguardemos algumas gerações para verificar – mas são eles que sustentam a longevidade da Igreja. Veja o discurso do papa de 25 de julho na JMJ. O que ele pede aos jovens: “que façam barulho” e que defendam a Igreja, entre outras coisas, do “mundanismo” e do “imobilismo”. São palavras fortes. Os jovens são aqueles que podem manter a Igreja presente no mundo, opondo-se aos discursos de busca da verdade pela ciência ou de inexistência da verdade. É por isso que o papa precisa dos jovens. É por isso que a igreja investe fortemente em encontros de jovens e na educação cristã. Um ano ainda é pouco para avaliarmos a atuação do papa com relação à ampliação e mobilização da juventude cristã, mas este é, sem dúvida, uma das principais frentes de atuação em que o papa Francisco continuará a investir.
Adriano Queiroz
Repórter
Repórter
Os jovens e o novo papado
O Diário do Nordeste também ouviu três jovens que participaram da Jornada Mundial da Juventude, sobre a experiência delas com o papa Francisco e com adolescentes de todos os cantos do mundo que vieram ao Brasil em julho do ano passado para o grande encontro católico. Confira seus depoimentos abaixo:
"O Papa Francisco chegou recentemente e já cativou os corações do povo, inclusive daqueles que não professam a Fé Católica, sendo, assim, uma ponte encantadora que aproxima Deus destes. Seu comportamento e sua personalidade extremamente carismática têm auxiliado na renovação da Fé no coração de muitos fiéis! Além da imitação de Cristo por meio da humildade e da firmeza, que levam-me a uma reflexão pessoal. Como brasileira e integrante da juventude católica, não poderia, então, deixar de falar da inesquecível JMJ (Jornada Mundial da Juventude), que nos proporcionou experiências incríveis, integrando-nos em situações que fogem a nossa rotina, a exemplo da convivência com diversas culturas totalmente alheias a nossa, o desprendimento material, a vivência da Fé em união e o crescimento pessoal. Todo esse movimento transparece a admiração e a conversão que as ações do Papa Francisco causam na juventude. Então, que assim ele continue aproximando-nos desse Deus tão presente!"
Nathalia Tomaz
Estudante
Estudante
"O Papa Francisco é, sem dúvidas, uma figura surpreendente, única e admirável. É impressionante ver a quantidade de pessoas conquistadas por ele nesse ano de papado! Fui para a Jornada Mundial da Juventude em um grupo da Comunidade Católica Face de Cristo, a qual eu participo. O que vivi no Rio é totalmente inexplicável! Mesmo com algumas dificuldades, a experiêcia de estar com milhares de pessoas de diversas culturas reunidas por um mesmo objetivo foi maravilhoso! E o nosso lindo Papa, como esse jeitinho humilde e fofo de ser, despertou a esperança em um muitos corações! Não à toa ele foi indicado ao Nobel da Paz!"
Gabriella Oliveira
Estudante
Estudante
"Completando-se um ano da chegada do Papa Francisco, podemos concluir o quão benéfico ele foi para a nossa igreja. Ele chegou ao pontificado inesperadamente, mas com toda a sua simplicidade foi mostrando com suas pequenas atitudes, que estava sim, no lugar certo. Pude ter a felicidade de ter ido para Jornada Mundial da Juventude e conseguir vê-lo de perto e lá, mais do que nunca, ele mostrou o quão simples é. Ele fez com que mesmo com toda falta de estrutura esse evento fosse “O evento”, através do sim dele. Colocando sempre o Amor acima de tudo. Gosto muito dele, o sim dele com toda certeza me ajuda. Serve de espelho para o meu sim. Definir o Papa Francisco seria falar de Amor, humildade, desprendimento e doação, falar do Papa Francisco é falar de um exemplo a ser seguido".
Rayssa Silveira
Estudante
Estudante
fonte: DIARIO DO NORDESTE
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