Papa Francisco insurge-se contra a indiferença diante da pobreza e da morte
O papa visitou esta segunda-feira hoje a ilha de
Lampedusa, em Itália, destino de milhares de migrantes africanos e
asiáticos que procuram atingir a Europa para alcançarem uma vida melhor.
Estima-se em 25 mil o número de pessoas que não chegaram à terra prometida por terem morrido na travessia do Mediterrâneo.
«Bem-vindo entre os últimos», lia-se numa das faixas
preparadas para a primeira visita fora de Roma do papa, que na missa
usou paramentos roxos, cor associada ao luto e à penitência.
Francisco deitou uma coroa de flores ao mar, evocando
os que naufragaram, e presidiu a uma missa, tendo rezado por aqueles
que pereceram a caminho da “ilha das lágrimas”.
O altar, o ambão e o cálice utilizados na celebração foram feitos a partir das das embarcações dos migrantes.
O papa também rezou junto à imagem da Virgem de Porto
Salvo, que ao tempo da quarta cruzada era venerada por cristãos e
muçulmanos, e é hoje símbolo da integração religiosa.
REUTERS/Osservatore Romano
Excertos da homilia:
«Imigrantes mortos no mar, naquelas barcas que em vez
de serem uma rota de esperança se tornaram uma rota de morte. Quando há
algumas semanas tomei conhecimento desta notícia, que infelizmente
tantas vezes se repete, o meu pensamento tornou-se continuamente como
um espinho no coração que traz sofrimento. E então senti que devia vir
aqui hoje rezar, fazer um gesto de proximidade, mas também para
despertar a nossa consciência, a fim de que o que aconteceu não se
repita.»
REUTERS/Osservatore Romano
«Muitos de nós, incluindo também eu, estamos
desorientados, deixámos de estar atentos ao mundo em que vivemos, não
cuidamos, não protegemos o que Deus criou para todos, e também deixámos
de ser capazes de nos protegermos uns aos outros. E quando esta
desorientação assume as dimensões do mundo, chega-se à tragédia como a
que assistimos.»
REUTERS/Alessandra Tarantino
«Estes nossos irmãos e irmãs procuravam sair de
situações difíceis para encontrar um pouco de serenidade e de paz;
procuravam um ligar melhor para si e para as suas famílias, mas
encontraram a morte. Quantas vezes aqueles que procuram isto não
encontram compreensão, acolhimento, solidariedade.»
REUTERS/Osservatore Romano
«Quem é o responsável por este sangue? (…) Todos nós
respondemos: não sou eu. (…) Hoje ninguém se sente responsável por
isto; perdemos o sentido da responsabilidade fraterna; caímos na
atitude hipócrita do sacerdote e do servidor do altar, de quem fala
Jesus na parábola do Bom Samaritano: olhamos o irmão meio morto na
berma da estrada, talvez pensando “pobrezinho”, e continuamos pela
nossa estrada, não é a nossa função.»
AP Photo/Gregorio Borgia
«A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós
próprios, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver em
bolas de sabão, que são belas mas não são nada, são a ilusão do fútil,
do provisório, que conduz à indiferença para com os outros, e assim
conduz à globalização da indiferença.»
REUTERS/Osservatore Romano
«"Adão, onde estás?", "onde está o teu irmão?", são as
duas perguntas que Deus coloca ao início da história da humanidade
[livro do Génesis] e que dirige também a todos os homens do nosso
tempo, também a nós. Mas eu desejo que nos coloquemos uma terceira
pergunta: "Quem de nós chorou por estes factos e por factos como
este?", pela morte destes irmãos e irmãs? Quem chorou por estas pessoas
que estavam nas barcas? Pelas jovens mães que levavam as suas crianças?
Por estes homens que desejavam alguma coisa para sustentar a própria
família? Somos uma sociedade que esqueceu a experiência das lágrimas».
AP Photo/Gregorio Borgia
«"Quem chorou?" Senhor, nesta Liturgia, que é uma
Liturgia de penitência, peçamos perdão pela indiferença para com tantos
irmãos e irmãs; pedimos-te perdão por quem se acomodou, quem se fechou
no próprio bem-estar que conduz à anestesia do coração; pedimos-te
perdão por aqueles que com as suas decisões a nível mundial criaram
situações que conduzem a estes dramas. "Adão, onde estás?", "onde está
o sangue do teu irmão? Ámen."»
REUTERS/Alessandro Bianchi
Rui Jorge Martins
© SNPC | 08.07.13
© SNPC | 08.07.13
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