Por padre Almir Magalhães*.
Produzo esta reflexão como uma contribuição a
respeito das inúmeras manifestações que aconteceram neste “país continente” e
sua relação com a dignidade humana.
Talvez algumas pessoas ao olhar para este título
se espantem e até curiosamente se perguntem: o que as manifestações recentes têm
a ver com a religião, com a Igreja, com a Teologia, com a espiritualidade
cristã?
“Tudo é teologizável”. Esta é uma afirmação de
Santo Tomás de Aquino, ou seja, pode-se fazer teologia a partir de qualquer
realidade, evidentemente desde que a partir dos fundamentos da fé (da Revelação,
da Tradição e do Magistério da Igreja). É partindo desta premissa que produzo
esta reflexão, como uma contribuição a respeito das inúmeras manifestações que
aconteceram neste “país continente” e tudo indica que vão continuar e sua
relação com a dignidade humana.
Quase todas as minhas contribuições neste espaço
têm um elemento convergente, que é a relação fé x vida, a Igreja e as questões
sociais, o pensamento social da Igreja, a dimensão social do Evangelho. As
manifestações populares são perpassadas por este viés. No fundo, o que está em
jogo é a dignidade humana, aviltada em cada pedaço deste país e, mesmo que as
manifestações não sejam motivadas pelo Evangelho, há um encontro muito feliz
porque o que interessa é o ser humano e “o caminho da Igreja é o ser humano”, já
dizia o beato João Paulo II em sua Carta Encíclica O redentor do homem (4/3/79,
nº 14).
As demandas são inúmeras, difusas e vieram não
contra o futebol, mas a partir de um confronto: a agilidade e eficiência do
Estado na obtenção de recursos para a construção das obras e de forma contrária
na ineficiência do Estado (o Executivo – Municipal, Estadual e Federal – e
também no Legislativo em seus três níveis), quando se trata da qualidade da
educação, do atendimento à saúde, a insegurança do cidadão que por vezes se
sentiu enganado pelo tique-taque enjoado, das conversas fiadas unilaterais de
quem representava qualquer um desses poderes.
Muito comum nas redes sociais e nos meios de
comunicação a ideia de que o povo brasileiro cansou e explodiu; o cansaço e a
enganação foram substituídos pelos gritos não só dos excluídos, dos machucados
tradicionalmente, mas de outras representações da sociedade brasileira.
Vou buscar na Instrução sobre a liberdade cristã
e a libertação (22/3/86) da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, uma
inspiração que se associa bem a esta reflexão, partindo do Êxodo e as
intervenções libertadoras de Javé: “Deus quer ser adorado por homens livres… O
acontecimento principal e fundacional do Êxodo tem, portanto, um significado ao
mesmo tempo religioso e político” (nº. 44).
Esta afirmação segundo a qual Deus quer ser
adorado por homens livres, de um lado questiona as inúmeras expressões de
adoração a Deus, dos louvores, da nossa expressão sentimental de tocar no
Santíssimo, sem, no entanto, nos inquietar com a história da sociedade, alheios
ao que acontece e de outro lado é referencial motivador para nossa ação agora
não a nível macro, mas no nível mais micro possível, ou seja, nos bairros onde
se situam nossas paróquias, áreas pastorais e contemplando os grandes problemas
identificados nas manifestações ver como eles aparecem onde estamos: a situação
dos postos de saúde ou hospitais, respectivo atendimento e a disponibilidade de
remédios básicos para diabéticos, controle de pressão arterial, controle das
diversas taxas; a questão educacional, da qualidade do transporte público, do
monitoramento da representatividade dos políticos em quem votamos que são nossos
funcionários e, em nome da dignidade humana, da defesa da vida produzirmos as
mesmas exigências.
Uma questão fundamental que aparece e disso temos
que nos desvencilhar é o individualismo e as paixões partidárias, substituindo
por causas comunitárias, pelo bem comum, porque, quanto mais nos relacionamos
com níveis mais próximos, estas questões podem ficar mais evidentes.
Neste particular, já que o tema em evidência
proposto pela CNBB é uma nova paróquia, que seja uma comunidade de comunidades,
nada mais oportuno no momento fazer uma leitura teológica destes acontecimentos:
entendermos o recado que Deus nos manda através destas inesperadas
manifestações, que estão mostrando as potencialidades da nação, a riqueza
política de um povo, que começa a controlar as ações de quem recebe mandato para
isto e na docilidade ao Espírito ser uma presença testemunhal.
*Almir Magalhães é sacerdote; é diretor geral e
professor da Faculdade Católica de Fortaleza e mestre em Missiologia pela
Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma.
Artigo publicado no Jonal O Povo em
http://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2013/07/13/noticiasjornalespiritualidade,3091536/as-manifestacoes-e-a-dignidade-humana.shtml.
Nenhum comentário:
Postar um comentário