Irmão
Lourenço
O Ir. Lourenço levava na mochila um pão
de tamanho regular, queijo e batatas, sua provisão para semana. Embora fosse
robusto, os péssimos caminhos faziam-no suar sob o peso do fardo. O Pe.
Champagnat, vendo-o em tal situação, ponderou-lhe:
- Meu Irmão, seu trabalho deve ser muito pesado.
- Desculpe, Padre, não é pesado, para mim é muito agradável.
- Não acho que seja tão agradável assim subir as encostas desses morros cada oito dias, caminhar na neve com um saco pesado nas costas, arriscando-se a resvalar em algum precipício.
- Tenho plena convicção de que Deus conta nossos passos e haverá de retribuir, com peso imenso de glória, os sofrimentos e as canseiras suportadas por seu amor.
- Quer dizer que está satisfeito com andar lá para cima, para ensinar o catecismo e dar aulas, carregando seu pão, como se fosse um mendigo?
- Tão satisfeito, padre, que não trocaria meu trabalho por todas as riquezas do mundo.
- Bom, então você está gostando muito do trabalho, mas será que o merece?
- Ah! não! Estou convencido de que não mereço o privilégio de ensinar o catecismo lá em Bessac: é pura bondade de Deus.
- Tudo o que você diz está certo; mas convenhamos que hoje é um dia horrível.
- Não, padre, considero-o um dos mais belos de minha vida.
Dizendo isto, tinha o rosto sorridente, transfigurado, e suaves lágrimas de felicidade corriam de seus olhos. O Pe. Champagnat, comovido e consolado por verificar tanta virtude, com muito esforço pôde conter as suas.
- Meu Irmão, seu trabalho deve ser muito pesado.
- Desculpe, Padre, não é pesado, para mim é muito agradável.
- Não acho que seja tão agradável assim subir as encostas desses morros cada oito dias, caminhar na neve com um saco pesado nas costas, arriscando-se a resvalar em algum precipício.
- Tenho plena convicção de que Deus conta nossos passos e haverá de retribuir, com peso imenso de glória, os sofrimentos e as canseiras suportadas por seu amor.
- Quer dizer que está satisfeito com andar lá para cima, para ensinar o catecismo e dar aulas, carregando seu pão, como se fosse um mendigo?
- Tão satisfeito, padre, que não trocaria meu trabalho por todas as riquezas do mundo.
- Bom, então você está gostando muito do trabalho, mas será que o merece?
- Ah! não! Estou convencido de que não mereço o privilégio de ensinar o catecismo lá em Bessac: é pura bondade de Deus.
- Tudo o que você diz está certo; mas convenhamos que hoje é um dia horrível.
- Não, padre, considero-o um dos mais belos de minha vida.
Dizendo isto, tinha o rosto sorridente, transfigurado, e suaves lágrimas de felicidade corriam de seus olhos. O Pe. Champagnat, comovido e consolado por verificar tanta virtude, com muito esforço pôde conter as suas.
Vocacionados
Em meados da quaresma de 1822, ao
voltar, à noite, da oração e da homilia que fizera na igreja, o Pe. Champagnat
deparou-se com um jovem que lhe pedia o favor de ser admitido na comunidade.
Não simpatizou com o jeito e as maneiras do jovem. Suspeitou dos motivos que o
traziam e perguntou-lhe sem muito interesse a respeito da profissão e
procedência. Ao saber que era egresso dos Irmãos das Escolas Cristãs, onde
permanecera seis anos, disse-lhe:
- Se você não serve para os Irmãos do Senhor de la Salle, ou se o gênero de vida deles não lhe convém, você é inútil para nós e vou ser bem claro: não posso recebê-lo.
Contudo, sendo já noite, não achou conveniente recusar-lhe hospitalidade: “Pernoitará aqui, concluiu, e amanhã irá embora”. O jovem, que tinha real desejo de ficar, certamente por não saber o que fazer na vida, usou de todos os meios para interessar o Pe. Champagnat em seu favor e conquistar-lhe a confiança. Após a refeição falou demoradamente da sua região e das inúmeras vocações que os Irmãos das Escolas Cristãs ali recrutavam. Percebendo que o assunto agradava ao Pe. Champagnat, acrescentou: “Se eu for admitido, prometo trazer-lhe vários postulantes meus conhecidos”.
No dia seguinte, continuou insistindo para ser aceito. Foi-lhe permitido passar dois ou três dias na casa. A experiência não satisfez plenamente o Pe. Champagnat. Achou muito ambíguo o jeito do moço; chamou-o e mandou-o embora. Depois de novas e inúteis instâncias para sua admissão, o ex-irmão, vendo que nada conseguia, perguntou-lhe:
O senhor me aceitará se lhe trouxer meia dúzia de bons candidatos?
- Sim, mas quando os tiver trazido, respondeu Champagnat.
- Pois bem, passe-me uma autorização para legitimar minha tarefa.
Queremos ver-se livre dele, Champagnat redigiu um documento vago e, entregá-lo, disse-lhe:
-Vá e fique com seus pais ou, o que seria melhor, volte para a comunidade de onde saiu; nossa casa e nosso modo de vida não lhe convém.
Com o documento na mão, o jovem partiu para sua terra, distante umas quinze léguas de Lavalla. Assim que chegou à casa paterna, não perdeu tempo. Em menos de uma semana convenceu oito rapazes a partirem para Lavalla, ou melhor, para Lião, pois tivera a precaução de não lhes dizer que os levaria a Lavalla. Na região, consideravam-no membro da Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs. Não citou sequer o nome dos Irmãozinhos de Maria, nem os rapazes nem sempre pais poderiam pensar que se tratasse de um Instituto totalmente desconhecido para eles.
No contrato firmado para determinar as pensões e a época do pagamento estava escrito que os postulantes iriam para o noviciado dos Irmãos das Escolas Cristãs em Lião e não se fazia mínima alusão ao Pe. Champagnat nem aos Irmãozinhos de Maria . Não é de admirar que esse jovem tenha conseguido reunir, com incrível facilidade, tão elevado número de colegas. Além de aparecer claramente neste episódio a mão de Deus, ignorava-se a conduta irregular desse infeliz. Sua família figurava entre as mais distintas da região, pelas posses e pela piedade. Por isso foi-lhe fácil aliciar aqueles postulantes. Vários deles, aliás, já havia decidido ingressar na vida religiosa e tinham até reservado vaga no noviciado de Lião. Poucos dias foram suficientes para aprontar o enxoval e ultimar os preparativos da partida.
Em fins de março de 1822, os piedosos jovens, juntamente com o guia, puseram-se a caminho, na funda convicção de que se dirigiam para o noviciado dos Irmãos das Escolas Cristãs em Lião. Após dois dias chegaram ao cimo do morro defronte a Lavalla. “Estão vendo”, diz o ex-Irmão, apontando para o campanário da paróquia, “é lá que termina nossa viagem”.
- O quê! exclamaram os postulantes; é para lá que vamos? Mas lá não é Lião.
- Não, não é Lião; mas temos aqui um noviciado no qual passarão alguns dias e, em seguida serão levados a Lião.
A chegada do ex-Irmão, com seu grupo, causou grande surpresa ao Pe. Champagnat. Naquele momento estava virando terra na horta. Largou tudo e foi falar com eles. Parece-me ainda vê-lo, comenta um dos jovens do grupo, a medir-nos de alto a baixo, com a estupefação de quem não contava com nossa chegada. Depois de algumas perguntas para certificar-se de nossas disposições e dos motivos que nos traziam, acabou por declarar que não podia receber-nos. Essas palavras nos causaram enorme surpresa e nos fizeram sofrer muito. Percebendo isso, o Pe. Champagnat acrescentou para nos consolar: “Vou rezar e examinar o problema diante de Deus; fiquem até amanhã”.
A maioria desses postulantes tinha impressionado bem a Champagnat. Se fazia dificuldades em recebê-los, era porque não os conhecia e receava que a vocação deles não fosse suficientemente comprovada, não tivesse motivos bastante puros, fosse apenas o resultado das solicitações daquele que os trouxera com o objetivo de ser pessoalmente aceito. Serem numerosos, era outra preocupação: “Os rapazes decidiram-se talvez convencidos pelo guia. Ora, se der na veneta de algum deles de voltar para casa, é provável que os outros desanimem também e todos voltem como vieram, uns por causa dos outros”. Além de tudo, o grupo era numeroso demais em relação à moradia. Faltava e até camas. Foi necessário mandá-los dormir no celeiro, sobre a palha. Enfim, faltavam também recursos: a maioria desses rapazes podia pagar apenas uma pensão insignificante, e a casa que mal se mantinha não estava em condições de fazer sacrifícios em favor deles. Por isso, Champagnat julgou conveniente consultar os principais Irmãos.
No dia seguinte, mandou chamar os postulantes e lhes disse: “Ainda não posso prometer que os receberei. Devo antes consultar os Irmãos. Permito-lhes somente ficarem alguns dias conosco. Mas, como não temos certeza de poder admiti-los todos, quem estiver com vontade de ir embora pode ir. Escreveu uma carta aos Irmãos de Bourg-Argental e outra aos de Saint-Sauveur, mandando os vir ter com ele por ocasião das festas da Páscoa, dentro de dez dias. Quando os Irmãos chegaram, reuniu-os diversas vezes no seu quarto; refletiu com eles sobre os desígnios de Deus para com a Congregação nascente que, naquela ocasião, pareciam manifestar-se, e declarou-lhes que, na sua opinião, os rapazes deviam ser aceitos, uma vez que haviam sido visivelmente trazidos pela Providência. Todos os Irmãos foram do mesmo parecer. Decidiu-se que os oito postulantes seriam admitidos, juntamente com o guia. Seriam, porém, submetidos a provas especiais, para testar a autenticidade da vocação.
Quem não concordou com Champagnat foram as pessoas amigas. Pelo contrário, desaprovaram abertamente a resolução adotada. Pressionaram-no de todas as formas para que afastasse os recém-chegados: “O senhor não pode conservar esse grupo de jovens. Onde conseguirá recursos para alimentá-los? Sua casa é pequena demais para alojá-los. Sabe o que vai acontecer se ficar com eles? Acabarão indo embora depois de acarretar-lhe vultosas despesas. Alimentar e manter todos esses jovens está acima de suas posses. A prudência exige que vá devagar, sem impor levianamente fardo tão pesado à sua comunidade. O senhor precisa, pelo menos, despedir os mais jovens. São muito crianças para saberem se têm vocação”. Champagnat fizera sua opção e nada o podia abalar. Mas, homem prudente, lançou mão de todos os meios sugeridos pelo espírito de Deus para experimentar os postulantes e saber se convinham ou não à congregação. Em vez de pô-los no estudo, empregou-os no cultivo da terra, da manhã à noite. Exigiu deles rigoroso silêncio e ocupação constante. O “capítulo das culpas”, as repreensões, os castigos pelas mínimas transgressões, nada poupado, mas nada conseguiu abalar a decisão dos rapazes.
Champagnat, surpreso e edificado com tanta constância, resolveu impor aos mais jovens uma última provação. Reuniu-os na presença dos Irmãos da casa e disse-lhes: “Meus amigos, visto que desejam absolutamente ficar aqui e tornar-se filhos de Maria, resolvi aceitá-los todos. No entanto, sendo alguns jovens demais para conhecerem a própria vocação, decidiu mandá-los trabalhar de empregados na casa de alguns pequenos proprietários para cuidarem do gado. Se procederem bem, contentarem os patrões e mantiverem a disposição de abraçar a vida religiosa, vou admiti-los definitivamente ao noviciado na próxima festa de Todo os Santos”. E dirigindo-se ao mais jovem:
- Você concorda?
- Pois não! Já que o senhor quer. Mas somente se me der a certeza de que me receberá no tempo em que o senhor marcou.
A essa resposta o Pe. Champagnat emuduceu de admiração; baixou os olhos e, após alguns momentos, disse.
- Muito bem! Aceito-os todos, agora mesmo.
De onde podia vir a persistência desses jovens? Qual a causa de seu apego a um Instituto que lhes opunha tantos obstáculos à admissão? Um deles vai explicar. Ouçamo-lo em sua linguagem singela: “Não tinham razão de desconfiar tanto de nós e de suspeitar das razões que nos moviam. Fossem humanos os motivos, não teríamos ficado um só dia. Quem nos seguraria numa casa onde só víamos pobreza, onde dormíamos num celeiro, onde a cama era só um pouco de capim seco? Onde tínhamos como alimentos alguns legumes e um pouco de pão que se esfarelava todo e onde a bebida era somente água? Numa casa onde, de manhã à noite, éramos ocupados num trabalho penoso, cujo único salário eram algumas repreensões ou castigos, que devíamos aceitar com profundo respeito? Se nos perguntarem, agora, o que poderia agradar-nos numa situação tão contrária à natureza, o que nos apegava tanto a uma Sociedade que nos repelia, responderei: foi a devoção que ela professava à Virgem Maria. No dia seguinte de nossa chegada, o Pe. Champagnat entregou um terço a cada um, falou-nos, várias vezes, de Maria Santíssima naquele tom persuasivo que lhe era natural,e narrou-nos alguns fatos que mostravam sinais da proteção da divina Mãe. As coisas maravilhosas que nosso bom Padre nos contava de Maria calaram tão profundamente na alma de todos nós, que nada no mundo teria conseguido afastar-nos da nossa vocação”.
Finalizaremos este relato, acrescentando que o infeliz guia destes postulantes foi expulso quinze dias depois, por idêntica falta que motivara sua saída da Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs: atentado contra os bons costumes.
Aqui, naturalmente, cabe a reflexão que pode ser utilíssima para os que duvidam da vocação, pelo fato de ter sido determinada, em sua origem, por motivos humanos ou porque teve o homem como promotor. “Mesmo que a vocação à vida religiosa viesse do demônio, afirma Sto. Tomás, deveria ser abraçada como excelente conselho, embora dado pelo inimigo. Além disso, acrescenta o santo doutor, se o impulso à vocação proviesse de satã, não se deveria concluir daí que não pudesse vir ao mesmo tempo de Deus, que muitas vezes permite que a malícia do inimigo da humanidade resulte em seu prejuízo e em nosso proveito, fazendo-nos, assim, decapitar esse Golias com sua própria espada. Porventura não usou a maldade dos irmãos de José para exalçá-lo ao governo do Egito? E acaso não tirou da traição de Judas e da perfídia dos judeus os meios para realizar nossa Redenção? Assim, o amor à vida religiosa, seja qual for a causa ou o promotor, só pode ter Deus como origem.
Nossos oito postulantes, embora trazidos ao Instituto por um religioso que havia profanado a santidade de seu estado e perdido sua vocação, não eram por isso menos vocacionados. Entre eles estavam bons religiosos; estava um assistente; estava quem trabalhou mais de quinze anos reunindo os documentos que serviam para compor esta biografia do piedoso Fundador.
(p.85-90).
- Se você não serve para os Irmãos do Senhor de la Salle, ou se o gênero de vida deles não lhe convém, você é inútil para nós e vou ser bem claro: não posso recebê-lo.
Contudo, sendo já noite, não achou conveniente recusar-lhe hospitalidade: “Pernoitará aqui, concluiu, e amanhã irá embora”. O jovem, que tinha real desejo de ficar, certamente por não saber o que fazer na vida, usou de todos os meios para interessar o Pe. Champagnat em seu favor e conquistar-lhe a confiança. Após a refeição falou demoradamente da sua região e das inúmeras vocações que os Irmãos das Escolas Cristãs ali recrutavam. Percebendo que o assunto agradava ao Pe. Champagnat, acrescentou: “Se eu for admitido, prometo trazer-lhe vários postulantes meus conhecidos”.
No dia seguinte, continuou insistindo para ser aceito. Foi-lhe permitido passar dois ou três dias na casa. A experiência não satisfez plenamente o Pe. Champagnat. Achou muito ambíguo o jeito do moço; chamou-o e mandou-o embora. Depois de novas e inúteis instâncias para sua admissão, o ex-irmão, vendo que nada conseguia, perguntou-lhe:
O senhor me aceitará se lhe trouxer meia dúzia de bons candidatos?
- Sim, mas quando os tiver trazido, respondeu Champagnat.
- Pois bem, passe-me uma autorização para legitimar minha tarefa.
Queremos ver-se livre dele, Champagnat redigiu um documento vago e, entregá-lo, disse-lhe:
-Vá e fique com seus pais ou, o que seria melhor, volte para a comunidade de onde saiu; nossa casa e nosso modo de vida não lhe convém.
Com o documento na mão, o jovem partiu para sua terra, distante umas quinze léguas de Lavalla. Assim que chegou à casa paterna, não perdeu tempo. Em menos de uma semana convenceu oito rapazes a partirem para Lavalla, ou melhor, para Lião, pois tivera a precaução de não lhes dizer que os levaria a Lavalla. Na região, consideravam-no membro da Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs. Não citou sequer o nome dos Irmãozinhos de Maria, nem os rapazes nem sempre pais poderiam pensar que se tratasse de um Instituto totalmente desconhecido para eles.
No contrato firmado para determinar as pensões e a época do pagamento estava escrito que os postulantes iriam para o noviciado dos Irmãos das Escolas Cristãs em Lião e não se fazia mínima alusão ao Pe. Champagnat nem aos Irmãozinhos de Maria . Não é de admirar que esse jovem tenha conseguido reunir, com incrível facilidade, tão elevado número de colegas. Além de aparecer claramente neste episódio a mão de Deus, ignorava-se a conduta irregular desse infeliz. Sua família figurava entre as mais distintas da região, pelas posses e pela piedade. Por isso foi-lhe fácil aliciar aqueles postulantes. Vários deles, aliás, já havia decidido ingressar na vida religiosa e tinham até reservado vaga no noviciado de Lião. Poucos dias foram suficientes para aprontar o enxoval e ultimar os preparativos da partida.
Em fins de março de 1822, os piedosos jovens, juntamente com o guia, puseram-se a caminho, na funda convicção de que se dirigiam para o noviciado dos Irmãos das Escolas Cristãs em Lião. Após dois dias chegaram ao cimo do morro defronte a Lavalla. “Estão vendo”, diz o ex-Irmão, apontando para o campanário da paróquia, “é lá que termina nossa viagem”.
- O quê! exclamaram os postulantes; é para lá que vamos? Mas lá não é Lião.
- Não, não é Lião; mas temos aqui um noviciado no qual passarão alguns dias e, em seguida serão levados a Lião.
A chegada do ex-Irmão, com seu grupo, causou grande surpresa ao Pe. Champagnat. Naquele momento estava virando terra na horta. Largou tudo e foi falar com eles. Parece-me ainda vê-lo, comenta um dos jovens do grupo, a medir-nos de alto a baixo, com a estupefação de quem não contava com nossa chegada. Depois de algumas perguntas para certificar-se de nossas disposições e dos motivos que nos traziam, acabou por declarar que não podia receber-nos. Essas palavras nos causaram enorme surpresa e nos fizeram sofrer muito. Percebendo isso, o Pe. Champagnat acrescentou para nos consolar: “Vou rezar e examinar o problema diante de Deus; fiquem até amanhã”.
A maioria desses postulantes tinha impressionado bem a Champagnat. Se fazia dificuldades em recebê-los, era porque não os conhecia e receava que a vocação deles não fosse suficientemente comprovada, não tivesse motivos bastante puros, fosse apenas o resultado das solicitações daquele que os trouxera com o objetivo de ser pessoalmente aceito. Serem numerosos, era outra preocupação: “Os rapazes decidiram-se talvez convencidos pelo guia. Ora, se der na veneta de algum deles de voltar para casa, é provável que os outros desanimem também e todos voltem como vieram, uns por causa dos outros”. Além de tudo, o grupo era numeroso demais em relação à moradia. Faltava e até camas. Foi necessário mandá-los dormir no celeiro, sobre a palha. Enfim, faltavam também recursos: a maioria desses rapazes podia pagar apenas uma pensão insignificante, e a casa que mal se mantinha não estava em condições de fazer sacrifícios em favor deles. Por isso, Champagnat julgou conveniente consultar os principais Irmãos.
No dia seguinte, mandou chamar os postulantes e lhes disse: “Ainda não posso prometer que os receberei. Devo antes consultar os Irmãos. Permito-lhes somente ficarem alguns dias conosco. Mas, como não temos certeza de poder admiti-los todos, quem estiver com vontade de ir embora pode ir. Escreveu uma carta aos Irmãos de Bourg-Argental e outra aos de Saint-Sauveur, mandando os vir ter com ele por ocasião das festas da Páscoa, dentro de dez dias. Quando os Irmãos chegaram, reuniu-os diversas vezes no seu quarto; refletiu com eles sobre os desígnios de Deus para com a Congregação nascente que, naquela ocasião, pareciam manifestar-se, e declarou-lhes que, na sua opinião, os rapazes deviam ser aceitos, uma vez que haviam sido visivelmente trazidos pela Providência. Todos os Irmãos foram do mesmo parecer. Decidiu-se que os oito postulantes seriam admitidos, juntamente com o guia. Seriam, porém, submetidos a provas especiais, para testar a autenticidade da vocação.
Quem não concordou com Champagnat foram as pessoas amigas. Pelo contrário, desaprovaram abertamente a resolução adotada. Pressionaram-no de todas as formas para que afastasse os recém-chegados: “O senhor não pode conservar esse grupo de jovens. Onde conseguirá recursos para alimentá-los? Sua casa é pequena demais para alojá-los. Sabe o que vai acontecer se ficar com eles? Acabarão indo embora depois de acarretar-lhe vultosas despesas. Alimentar e manter todos esses jovens está acima de suas posses. A prudência exige que vá devagar, sem impor levianamente fardo tão pesado à sua comunidade. O senhor precisa, pelo menos, despedir os mais jovens. São muito crianças para saberem se têm vocação”. Champagnat fizera sua opção e nada o podia abalar. Mas, homem prudente, lançou mão de todos os meios sugeridos pelo espírito de Deus para experimentar os postulantes e saber se convinham ou não à congregação. Em vez de pô-los no estudo, empregou-os no cultivo da terra, da manhã à noite. Exigiu deles rigoroso silêncio e ocupação constante. O “capítulo das culpas”, as repreensões, os castigos pelas mínimas transgressões, nada poupado, mas nada conseguiu abalar a decisão dos rapazes.
Champagnat, surpreso e edificado com tanta constância, resolveu impor aos mais jovens uma última provação. Reuniu-os na presença dos Irmãos da casa e disse-lhes: “Meus amigos, visto que desejam absolutamente ficar aqui e tornar-se filhos de Maria, resolvi aceitá-los todos. No entanto, sendo alguns jovens demais para conhecerem a própria vocação, decidiu mandá-los trabalhar de empregados na casa de alguns pequenos proprietários para cuidarem do gado. Se procederem bem, contentarem os patrões e mantiverem a disposição de abraçar a vida religiosa, vou admiti-los definitivamente ao noviciado na próxima festa de Todo os Santos”. E dirigindo-se ao mais jovem:
- Você concorda?
- Pois não! Já que o senhor quer. Mas somente se me der a certeza de que me receberá no tempo em que o senhor marcou.
A essa resposta o Pe. Champagnat emuduceu de admiração; baixou os olhos e, após alguns momentos, disse.
- Muito bem! Aceito-os todos, agora mesmo.
De onde podia vir a persistência desses jovens? Qual a causa de seu apego a um Instituto que lhes opunha tantos obstáculos à admissão? Um deles vai explicar. Ouçamo-lo em sua linguagem singela: “Não tinham razão de desconfiar tanto de nós e de suspeitar das razões que nos moviam. Fossem humanos os motivos, não teríamos ficado um só dia. Quem nos seguraria numa casa onde só víamos pobreza, onde dormíamos num celeiro, onde a cama era só um pouco de capim seco? Onde tínhamos como alimentos alguns legumes e um pouco de pão que se esfarelava todo e onde a bebida era somente água? Numa casa onde, de manhã à noite, éramos ocupados num trabalho penoso, cujo único salário eram algumas repreensões ou castigos, que devíamos aceitar com profundo respeito? Se nos perguntarem, agora, o que poderia agradar-nos numa situação tão contrária à natureza, o que nos apegava tanto a uma Sociedade que nos repelia, responderei: foi a devoção que ela professava à Virgem Maria. No dia seguinte de nossa chegada, o Pe. Champagnat entregou um terço a cada um, falou-nos, várias vezes, de Maria Santíssima naquele tom persuasivo que lhe era natural,e narrou-nos alguns fatos que mostravam sinais da proteção da divina Mãe. As coisas maravilhosas que nosso bom Padre nos contava de Maria calaram tão profundamente na alma de todos nós, que nada no mundo teria conseguido afastar-nos da nossa vocação”.
Finalizaremos este relato, acrescentando que o infeliz guia destes postulantes foi expulso quinze dias depois, por idêntica falta que motivara sua saída da Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs: atentado contra os bons costumes.
Aqui, naturalmente, cabe a reflexão que pode ser utilíssima para os que duvidam da vocação, pelo fato de ter sido determinada, em sua origem, por motivos humanos ou porque teve o homem como promotor. “Mesmo que a vocação à vida religiosa viesse do demônio, afirma Sto. Tomás, deveria ser abraçada como excelente conselho, embora dado pelo inimigo. Além disso, acrescenta o santo doutor, se o impulso à vocação proviesse de satã, não se deveria concluir daí que não pudesse vir ao mesmo tempo de Deus, que muitas vezes permite que a malícia do inimigo da humanidade resulte em seu prejuízo e em nosso proveito, fazendo-nos, assim, decapitar esse Golias com sua própria espada. Porventura não usou a maldade dos irmãos de José para exalçá-lo ao governo do Egito? E acaso não tirou da traição de Judas e da perfídia dos judeus os meios para realizar nossa Redenção? Assim, o amor à vida religiosa, seja qual for a causa ou o promotor, só pode ter Deus como origem.
Nossos oito postulantes, embora trazidos ao Instituto por um religioso que havia profanado a santidade de seu estado e perdido sua vocação, não eram por isso menos vocacionados. Entre eles estavam bons religiosos; estava um assistente; estava quem trabalhou mais de quinze anos reunindo os documentos que serviam para compor esta biografia do piedoso Fundador.
(p.85-90).
Pensamentos
***
“O Irmão que não reza não sabe praticar a virtude nem fazer o bem entre os alunos; é somente na oração que se aprendem estas coisas.”
***
“A Vida Religiosa é essencialmente vida de oração porque, além de exigir que se reze mais do que os simples fiéis, é para ter contato mais freqüente com Deus que nos tornamos religiosos. É impossível cumprir as obrigações da vida consagrada sem verdadeira e sólida piedade.”
***
“O religioso sem piedade nunca vai amar nem estimar sua vocação, porque nela viverá sem consolação.”
***
“Ah! como a virtude é fácil, como os sacrifícios que ela exige custam pouco, quando se ama a Jesus! O amor a Jesus é, para o religioso que percorre o caminha da virtude, como as velas para as embarcações que singram o oceano. Sem se dar conta, este amor conduz às mais sublimes virtudes.”
***
“O apego ao dinheiro leva os homens do mundo a se entregarem sem trégua aos trabalhos mais árduos e aos mais duros sacrifícios. Seria uma vergonha se o amor a Jesus exercesse menor motivação sobre o religioso.”
***
“Aquele que tem grande amor a Maria terá certamente grande amor a Jesus. Por isso, os santos que tiveram particular devoção a Maria, como S. Bernardo, S. Boaventura, S. Francisco de Assis, Sto. Afonso de Ligório, Sta. Tereza, distinguiram-se por grande amora a Jesus.”
***
“Maria não guarda nada para si. Quando a servimos, quando nos consagramos a ela, só nos recebe para oferecer-nos a Jesus, para nos impregnar de Jesus.”
***
“Foi ao discípulo amado que Cristo confiou sua Mãe, para nos ensinar que concede amor especial à Virgem Santíssima somente às almas privilegiadas, sobre as quais tem planos especiais de misericórdia”.
***
“A pobreza, a mortificação, a humildade e, em geral, todas as virtudes, são como as rosas entre espinhos. As pessoas do mundo somente enxergam e sentem os espinhos e por isso têm medo da virtude. Os religiosos sentem e saboreiam os encantos, as delícias e as consolações da virtude e assim não percebem os espinhos, isto é, as dificuldades inerentes.”
***
“O bom religioso sente mais felicidade e consolo num só exercício de piedade, como a meditação, a assistência à missa, um quarto de hora de visita ao Santíssimo, do que os afortunados do mundo podem ter em todos os prazeres de uma longa vida.”
***
“Por que são os mundanos tão espalhafatosos em seus prazeres e no meio das alegrias profanas? Porque não conseguem abafar inteiramente os remorsos que os perseguem; porque sua felicidade é apenas aparente e seu coração infeliz só encontra amargura nas satisfações sensuais.”
***
“Por sua vocação, todos os Irmãos são apóstolos enviados para ensinarem às crianças os ministérios da religião e lhes anunciarem a boa nova da salvação de Jesus Cristo nos mereceu.”
***
“Há muitos modos de dar o catecismo, isto, é ensinar as verdades da salvação e levar ao bem as crianças e as demais pessoas. Rezar pelas crianças que nos são confiadas, pela conversão dos pecadores e dos infiéis é também fazer boa catequese, assim como é bom catequista aquele que dá sempre o bom exemplo e é, em toda parte, modelo de piedade, regularidade, modéstia e caridade.”
***
“Esses dois modos de dar catecismo, além de servir a todos os Irmãos, em qualquer função que exerçam, e independentemente de seus talentos e capacidade, são as mais eficazes e mais fáceis do que explicar a doutrina cristã às crianças. São mais eficazes porque a graça, única realidade absolutamente necessária à salvação, se consegue mais seguramente pela oração e pela santidade da vida do que por qualquer outro meio; mais fáceis, porque é possível rezar e praticar a virtude em qualquer tempo e lugar.”
(p.94-96)
“O Irmão que não reza não sabe praticar a virtude nem fazer o bem entre os alunos; é somente na oração que se aprendem estas coisas.”
***
“A Vida Religiosa é essencialmente vida de oração porque, além de exigir que se reze mais do que os simples fiéis, é para ter contato mais freqüente com Deus que nos tornamos religiosos. É impossível cumprir as obrigações da vida consagrada sem verdadeira e sólida piedade.”
***
“O religioso sem piedade nunca vai amar nem estimar sua vocação, porque nela viverá sem consolação.”
***
“Ah! como a virtude é fácil, como os sacrifícios que ela exige custam pouco, quando se ama a Jesus! O amor a Jesus é, para o religioso que percorre o caminha da virtude, como as velas para as embarcações que singram o oceano. Sem se dar conta, este amor conduz às mais sublimes virtudes.”
***
“O apego ao dinheiro leva os homens do mundo a se entregarem sem trégua aos trabalhos mais árduos e aos mais duros sacrifícios. Seria uma vergonha se o amor a Jesus exercesse menor motivação sobre o religioso.”
***
“Aquele que tem grande amor a Maria terá certamente grande amor a Jesus. Por isso, os santos que tiveram particular devoção a Maria, como S. Bernardo, S. Boaventura, S. Francisco de Assis, Sto. Afonso de Ligório, Sta. Tereza, distinguiram-se por grande amora a Jesus.”
***
“Maria não guarda nada para si. Quando a servimos, quando nos consagramos a ela, só nos recebe para oferecer-nos a Jesus, para nos impregnar de Jesus.”
***
“Foi ao discípulo amado que Cristo confiou sua Mãe, para nos ensinar que concede amor especial à Virgem Santíssima somente às almas privilegiadas, sobre as quais tem planos especiais de misericórdia”.
***
“A pobreza, a mortificação, a humildade e, em geral, todas as virtudes, são como as rosas entre espinhos. As pessoas do mundo somente enxergam e sentem os espinhos e por isso têm medo da virtude. Os religiosos sentem e saboreiam os encantos, as delícias e as consolações da virtude e assim não percebem os espinhos, isto é, as dificuldades inerentes.”
***
“O bom religioso sente mais felicidade e consolo num só exercício de piedade, como a meditação, a assistência à missa, um quarto de hora de visita ao Santíssimo, do que os afortunados do mundo podem ter em todos os prazeres de uma longa vida.”
***
“Por que são os mundanos tão espalhafatosos em seus prazeres e no meio das alegrias profanas? Porque não conseguem abafar inteiramente os remorsos que os perseguem; porque sua felicidade é apenas aparente e seu coração infeliz só encontra amargura nas satisfações sensuais.”
***
“Por sua vocação, todos os Irmãos são apóstolos enviados para ensinarem às crianças os ministérios da religião e lhes anunciarem a boa nova da salvação de Jesus Cristo nos mereceu.”
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“Há muitos modos de dar o catecismo, isto, é ensinar as verdades da salvação e levar ao bem as crianças e as demais pessoas. Rezar pelas crianças que nos são confiadas, pela conversão dos pecadores e dos infiéis é também fazer boa catequese, assim como é bom catequista aquele que dá sempre o bom exemplo e é, em toda parte, modelo de piedade, regularidade, modéstia e caridade.”
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“Esses dois modos de dar catecismo, além de servir a todos os Irmãos, em qualquer função que exerçam, e independentemente de seus talentos e capacidade, são as mais eficazes e mais fáceis do que explicar a doutrina cristã às crianças. São mais eficazes porque a graça, única realidade absolutamente necessária à salvação, se consegue mais seguramente pela oração e pela santidade da vida do que por qualquer outro meio; mais fáceis, porque é possível rezar e praticar a virtude em qualquer tempo e lugar.”
(p.94-96)
CONTINUA...
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