Confira a entrevista.
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Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Oliveira assinala que a preocupação do Papa com a valorização dos leigos na Igreja representa um “giro de 180 graus na pastoral”. E explica: “João Paulo II também procurou abrir portas, mas era para fazer o povo entrar na Igreja e colocar-se sob o cuidado de pastores... Francisco prefere uma Igreja machucada por andar na rua, do que incólume no interior do templo. Retomou, com muita ênfase, a expressão de Bento XVI inserida no Documento de Aparecida, que fala da Igreja como ‘advogada da Justiça e defensora dos pobres’. O importante é que o Papa não atribui essa missão aos leigos e leigas, mas a todo o Povo de Deus”. Para ele, “a partir desse ‘puxão de orelhas’, as Pastorais Sociais que atuam no espinhoso terreno social, político e econômico voltarão a receber tanto apoio dos bispos quanto receberam entre 1970 e o final dos anos 1990”.
O sociólogo também comenta a posição do Papa em relação às Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, que se mantêm presente na América Latina e no Brasil. "O Papa Francisco parece ter escasso conhecimento dessa nova forma de ser Igreja, porque se referiu a elas como ‘espaços leigos’, desconhecendo que elas são espaços ‘eclesiais’ onde cabe todo o Povo de Deus, e não apenas leigos e leigas”.
Pedro Ribeiro de Oliveira é doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica. Atualmente é professor do PPG em Ciências da Religião da PUC-Minas. Dentre suas obras, destacamos Fé e Política: fundamentos( Aparecida: Ideias & Letras, 2004), Reforçando a rede de uma Igreja missionária (São Paulo: Paulinas, 1997) e Religião e dominação de classe (Petrópolis: Vozes, 1985).
Confira a entrevista.
IHU OnLine - Que avaliação faz da primeira grande viagem do Papa fora da Europa, e quais os pontos altos da visita do Papa ao Brasil?
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IHU On-Line - Quais foram os gestos mais significativos do Papa durante a Jornada Mundial da Juventude e o que eles apontam sobre o seu pontificado?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Muitos gestos poderiam ser mencionados, mas destaco dois. O primeiro, que vem marcando a presença de Francisco como bispo de Roma é o fato de ele separar sua pessoa do exercício de suas funções como Papa. Até março deste ano a pessoa investida naquele ministério tornava-se uma espécie de ser extra-terreno, revestido de um enorme poder sagrado. A partir de Francisco, reza-se pelo Papa não porque esta é uma prescrição da liturgia, mas porque ele, humildemente, sempre pede nossa oração.
O segundo ponto, que também já se podia perceber desde o início de seu ministério em Roma, é a insistência de que o lugar dos cristãos – clérigos, religiosas, leigos e leigas – é no espaço público, e não dentro dos templos e sacristias. Sinto falta de uma fala mais clara sobre o que a deve a Igreja fazer no mundo, mas sabemos todos o que Concílio Ecumênico de 1962-65 diz: trata-se de anunciar e construir o Reino de Deus na história humana.
IHU On-Line - A partir dos discursos do Papa, como seu pontificado deve compreender as Comunidades Eclesiais de Base? Depois de alguns anos de recesso das CEBs, percebe a sinalização de uma retomada?
Pedro Ribeiro de Oliveira - E foram muitos os anos de “recesso” das CEBs nos espaços da cúria romana! Embora elas continuem vivas e atuantes no Brasil e na América Latina e Caribe – vem aí o 13º Encontro Intereclesial, no Ceará – não são poucas as autoridades eclesiásticas que prefeririam não precisar lidar com elas. O Papa Francisco parece ter escasso conhecimento dessa nova forma de ser Igreja, porque se referiu a elas como “espaços leigos”, desconhecendo que elas são espaços “eclesiais” onde cabe todo o Povo de Deus, e não apenas leigos e leigas. Apesar disso, revelou sua simpatia por elas ao abençoar, na comunidade popular de Varginha, uma capela típica de CEB.
IHU On-Line - Como relaciona o discurso de que não basta abrir as portas, mas se deve sair das portas da igreja, com a valorização dos leigos?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Este é um giro de 180 graus na pastoral! João Paulo II também procurou abrir portas, mas era para fazer o povo entrar na Igreja e colocar-se sob o cuidado de pastores... Francisco prefere uma Igreja machucada por andar na rua, do que incólume no interior do templo. Retomou, com muita ênfase, a expressão de Bento XVI inserida no Documento de Aparecida, que fala da Igreja como “advogada da Justiça e defensora dos pobres”. O importante é que o Papa não atribui essa missão aos leigos e leigas, mas a todo o Povo de Deus. Acredito que a partir desse “puxão de orelhas” (pois o Papa pediu desculpas por falar tão abertamente com os bispos), as Pastorais Sociais que atuam no espinhoso terreno social, político e econômico voltarão a receber tanto apoio dos bispos quanto receberam entre 1970 e o final dos anos 1990.
IHU On-Line - Que avaliação faz do discurso que o papa fez para os Bispos do Brasil, no sábado e, posteriormente, para os Bispos do Celam? O que é possível entender por reforçar e reformar as estruturas da igreja?
Pedro Ribeiro de Oliveira - No momento não tenho condições de fazer a análise que esses discursos merecem, mas uma coisa é certa: Francisco pede a seus irmãos bispos que o ajudem a ser o bispo primaz de um colégio de pastores, e não um super-bispo romano com bispos auxiliares em cada diocese do mundo.
IHU On-Line - Qual é o significado do discurso do Papa no Teatro Municipal, no qual propõe recuperar a política como caridade?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Também aqui falta-me uma análise melhor, mas com certeza esta é uma grande contribuição a todos os que, como diz Frei Betto, temos na Política “o campo preferencial para a vivência da Fé” e na Fé “o horizonte último do projeto político”.
IHU On-Line - Quais são e o que significam os silêncios do Papa, ou seja, os temas não abordados?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Interpreto como estratégia para ampliar seu arco de alianças e não alvoroçar os adversários de seu projeto de reformas estruturais na cúria romana. É, como eu escrevi há pouco, a mesma estratégia de time de futebol que joga a primeira partida no campo do adversário: preocupado com o risco de tomar gols, prefere ceder o empate e deixar a decisão do campeonato para quando jogar em casa.
IHU On-Line - Francisco sinalizou que irá beatificar Dom Romero, assassinado em 1981. Qual é o significado dessa beatificação?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Beatificação é processo burocrático que corre na cúria romana. Não sei se para a Igreja da América Latina e Caribe é importante essa canonização, pois São Romero da América, como o chama Pedro Casaldáliga, não precisa de reconhecimento canônico. Devo dizer, contudo, que senti falta de uma menção a ele durante a visita à comunidade popular de Varginha. Havia ali um grande painel com a figura do bispo-mártir e uma frase do Papa saudando-o – de improviso, ao estilo João Paulo II – ficaria para sempre gravada em nossa memória.
IHU On-Line - Por que e quais aspectos da entrevista que o Papa concedeu na viagem de volta a Roma foi significativa para o senhor?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Nela fica evidente que a reforma da cúria visa suas estruturas, no sentido de descentralizar o poder romano e assim aumentar a colegialidade episcopal e o caráter sinodal da Igreja católica. Para minha agradável surpresa, Francisco referiu-se até mesmo à possibilidade de transformar o IOR, para que não seja mais um banco e sim um fundo. É muito bom que o Papa tenha como prioridade a reforma da cúria romana, porque isso só ele pode fazer (com o apoio dos bispos, é claro). Da missão da Igreja no mundo, nós mesmos, podemos cuidar desde as bases.
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