terça-feira, 30 de julho de 2013

Lumen Fidei

Primeira Encíclica do Papa Francisco

 
28/07/2013: Casa Geral
Temos nas mãos a primeira Encíclica do novo Bispo de Roma, Francisco. É uma Encíclica notável onde Francisco assumiu muito do seu predecessor que lhe deixou “um trabalho precioso” (nº 7).
Quais são os grandes rasgos de LUMEN FIDEI? Vejamos apenas quatro eixos principais.
1.  A fé: dom de Deus a ser alimentado
A ideia aparece logo no início da Encíclica (cf. nº 1), mas estende-se ao longo de toda ela. Claro, o dom é Jesus Cristo que vem ao mundo como luz. Crer é aceitar o dom da fé que o nº 19 apresenta como “dom originário e radical” (cf. também nº 12). O acolhimento deste dom tem uma consequência extraordinária: transforma-nos numa criatura nova e o nosso modo de ver as coisas, o mundo e as pessoas será o modo de ver de Jesus. Esse “dom recebido” (nº 22), “dom sobrenatural” (nº 4) levado às últimas consequências, conduz-nos a uma identificação total com Jesus. Vem à nossa mente a frase paulina: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Ga 2, 20).
 
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Se o dom é Jesus Cristo isso significa que somos convidados a acolhê-lo como CENTRO de nossas vidas. Francisco diz-nos que esse era o convite fundamental do Concilio Vaticano II: “foi um Concílio sobre a fé por nos ter convidado a repor, no centro da nossa vida eclesial e pessoal, o primado de Deus em Cristo” (nº 6). Mas esta tarefa de centrar nossas vidas em Cristo não é de um dia. Pode ser de uma vida inteira, fazendo continuamente apelo a uma fé renovada. Então, este dom de Deus, a fé, é, de certa maneira, também uma conquista. Isto é, “deve ser nutrido e revigorado sem cessar para continuar a orientar o caminho dela” (nº 6).
 
2.  A fé: luz na transmissão de uma “memória”:
O caráter luminoso da fé (cf. nº 4) vem do facto de que ela só pode ser vista em relação com Cristo, Sol de nossas vidas (cf. nº 1). A fé nasce de um encontro com o Deus vivo (cf. números 4, 38) e torna-se luz ao longo do caminho. Um caminho que não fazemos sós. A existência do crente vive-se em comunidade, em Igreja. A relação com Cristo ilumina a nossa relação com os outros. O cristão é um ser em relação. Dessa relação nasce a necessidade e o dever da transmissão do “tesouro de memória” (nº 46) para que a “continuidade da memória da Igreja” (nº 49) seja garantida. É o nº 38 da Encíclica que sublinha de um modo especial esta dimensão da memória. Neste número, Francisco chega mesmo a afirmar que “o conhecimento de nós mesmos só é possível quando participamos duma memória mais ampla”. É conveniente sublinhar, porém, que a luz da fé é luz de uma “memória basilar” (nº 4; leva-nos ao passado, à origem; cf. também, nº 40, onde aparecem as expressões “memória fundadora” e “memória encarnada”), mas, ao mesmo tempo “vem do futuro” porque, na ressurreição de Jesus temos a certeza de que a nossa vida é iluminada por Ele, para além da morte (cf. nº 4). Ela é “memória do futuro” (nº 9) e dom que não se pode reter para si (cf. nº 37)
 
3.  A fé: caminho e edificação
Que a fé é caminho, uma chamada a pôr-se a caminho é evidente. O Papa Bento XVI já o recordara na Carta Apostólica PORTA FIDEI, com a qual convocou a Ano da Fé. No nº 2 desse documento fala do “caminho da fé” que ilumina, com alegria e entusiasmo renovado, o encontro com Cristo. No mesmo número ainda, aparece o convite a toda a Igreja para “pôr-se a caminho”. Este convite é renovado no nº 10 com a precisão: “para encontrar Aquele que não buscaríamos se não tivesse já vindo”. Esta chamada a “pôr-se a caminho” tanto pode ser individual (cf. nº 8, Abraão), como coletiva (cf. nº 12, Israel).
O caminho conduz a um lugar, a uma “cidade”. É o que nos recorda o Capítulo IV da Encíclica com o título: “Deus prepara para eles uma cidade”. Isto é, nas palavras de Francisco: “A fé não se apresenta apenas como um caminho, mas também como edificação, preparação de um lugar onde os homens possam habitar uns com os outros” (nº 50). Aparece, à luz da fé, a relação entre fé e bem comum. A fé ilumina a totalidade das relações humanas.
Mas a fé ilumina também a última chamada ao convite “Sai da tua terra” (cf. nº 56). Isto é, a própria morte, iluminada pela fé, pode ser vivida como a última chamada da fé. Roger Garaudy, no seu livro Palavra de Homem, falava da morte como o último ato de obediência a Deus. A morte finalmente iluminada pela “obediência da fé” (cf. Hb 11,8; Rm 1, 5; 16, 26; 2 Co 10, 5-6) será o último instante, o passo último da caminhada da fé que introduz o crente na “cidade de Deus”.
 
4.   A fé: caminho para o amor
A fé é chamada a converter-se em “fé operante”, recordando o texto clássico de São Tiago, onde a fé sem obras é uma fé morta (cf. St 2, 14-18). São Paulo aos Gálatas recordava que a fé deve atuar por amor (cf. Ga 5, 6). Bento XVI na Carta PORTA FIDEI dizia que a fé devia ser “o novo critério de pensamento e de ação que muda a vida dos homens” (nº 6). Francisco segue-lhe o passo e completa: “Devido precisamente à sua ligação com o amor, a luz da fé coloca-se ao serviço concreto da justiça, do direito e da paz” (nº 51). E ainda no mesmo número: “A fé faz compreender a arquitetura das relações humanas… e assim ilumina a arte da sua construção, tornando-se um serviço ao bem comum”. A fé é uma fé chamada a dar frutos para criar novos céus e nova terra (cf. 2 P 3, 13).
É interessante notar neste momento que Francisco fala não só da “luz da fé”, mas também da “luz do amor” (cf. números 31, 34). O nº 34 menciona as duas expressões dizendo que a“luz do amor (é) própria da fé” e “enquanto unida à verdade do amor, a luz da fé é luz encarnada, que dimana da vida luminosa de Jesus”.
O texto fala diversas vezes de esperança (cf. números 51, 57) sem usar a expressão “luz da esperança”. Creio que não será despropositado exprimir-se assim, já que Francisco, ao falar do serviço da fé ao bem comum o apresenta como um “serviço de esperança” (nº 57) que olha para a frente para um futuro que vem de Jesus ressuscitado. A “luz da esperança” mantém-nos a caminho e dá-nos força para uma edificação mais justa da sociedade. É esse o dinamismo da esperança.
 
São 4 rasgos da Encíclica LUMEN FIDEI. No texto aparecem muitos outros. E todos de grande importância. A Encíclica é um alimento extraordinário para a nossa vida espiritual e apostólica. Não faltam nela as referências ao Espírito Santo (cf. cf. números 5, 7, 20, 21, 38, 39, 40, 43, 59), à eclesialidade da fé (cf. nº 22), à fé como escuta e visão (cf. números 29-31), aos sacramentos e sua importância na transmissão da fé (cf. números 40-45), bem assim como à oração (Pai Nosso) e ao Decálogo (cf. nº 46), para terminar com uma referência inevitável a Maria (cf. nº 58), bem-aventurada porque acreditou (cf. Lc 1, 45). LUMEN FIDEI é um documento notável a ser explorado com inteligência e amor, com um “coração que crê” para usar a expressão paulina (Rm 10, 10; cf. números 22, 26). Francisco merece o nosso profundo agradecimento pela reflexão profunda que nos oferece e pelo testemunho de fé que partilha conosco.
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Rio de Janeiro 12 de julho de 2013, celebrando a fé com os jovens do mundo inteiro e com Francisco.
Ir. Teófilo Minga
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