segunda-feira, 22 de julho de 2013

CHAMPAGNAT - Final


Doença piora

Entrementes, o estado do enfermo piorava dia a dia. Não suportava mais nada, nem mesmo os mingaus mais leves. Um fogo abrasador lhe consumia as entranhas. Os vômitos cada vez mais freqüentes causavam-lhe horríveis sofrimentos. Só expelia matérias misturadas com sangue e às vezes em forma de blocos resistentes e bastantes volumosos. Por vezes o bom Padre se perguntava: “Donde pode vir tanta coisa podre? Céus! O que teria acendido tamanho fogo no meu corpo?” E logo completava: “Meu Deus, tende piedade de mim. Ofereço-vos o que estou sofrendo; dai a vossa graça; depois disso, mandai-me quantas dores quiserdes”. Só a água gelada, que tomava por obediência, e a compressa de gelo sobre a região abdominal lhe traziam algum alívio.
Em meio às dores, ansiava receber novamente o santo Viático. Amiúde repetia: Já passou o prazo prescrito; eu poderia comungar uma segunda vez, se não fossem os vômitos”. Aparentemente estes vômitos contínuos iriam privá-lo definitivamente desse favor; mas para a fé e o amor, tudo é possível. Continuamente preocupado com o pensamento e o desejo de comungar, exclamou após profunda meditação: “Creio que serei atendido; meu santo anjo vai obter-me a graça de receber, mais uma vez, a nosso Senhor. Tragam-me uma estampa do anjo da guarda: vou pedir essa graça a esse espírito celeste”. Trazida a imagem e colocada na cortina da cama, o bondoso Padre fixou-o demoradamente. Depois de rezar durante alguns minutos com grande fervor, sentiu que fora atendido: podia comungar uma segunda vez. De fato os vômitos cessaram completamente. Readquiriu a calma e a tranqüilidade, como se não tivesse tido nenhuma doença de estômago. Depois de permanecer sossegado por mais de uma hora, disse: “Fui atendido, posso comungar, peça ao capelão para trazer-me Jesus”.
Recebeu nosso Senhor com viva fé, terna piedade e extraordinária devoção. Seu olhar, gestos, atitudes tudo anunciava profundo respeito, confiança sem limites e ardente amor. Após a recepção do Santo Viático, insistiu na observância do silêncio, absolutamente necessário para manter o espírito de recolhimento e oração na comunidade. Exortou novamente os Irmãos a evitarem a preguiça a todo custo e estarem sempre ocupados, assegurando-lhes, que, na hora da morte, sentiriam muitos remorsos se não houvessem empregado bem o tempo.
Ficou em muita paz, sem ter vômitos, por mais de uma hora. Depois a doença retomou seu curso com mais violência do que nunca. Mas, com o Pão dos Fortes recebera novas forças e nova coragem para suportá-la. Na tarde do mesmo dia, domingo, 24 de maio, o Rev. Pe. Colin, Superior Geral da Sociedade, veio a 1’Hermitage. O Pe. Mazelier, Superior dos Irmãos de Saint-Paul-Trais-Châteaux, chegou na manhã seguinte. Ao saber da chegada deles, exclamou: “Ah! como estou feliz por ser visitado e assistido por sacerdotes tão santos!” Conversou demoradamente com o Pe. Colin, recomendando-lhe os Irmãos. Ao final do encontro, com profunda humildade, pediu-lhe perdão de todas as faltas que, por acaso, tivesse cometido. O Pe. Colin, comovido e edificado, falou-lhe com muito afeto, confortando-o muito. A visita do Pe. Mazellier o alegrou, tanto pela oportunidade de interessá-lo pelas necessidades dos Irmãos, quanto pelo conforto que esperava receber das palavras e orações desse santo sacerdote. Na conversa com ele, o Pe. Champagnat disse-lhe:
- Recomendo-lhe os meus Irmãos sujeitos ao serviço militar.
- E eu, peço-lhe que não esqueça os meus, quando estiver no céu.(p.220-221).

Morre o Padre Champagnat

Enfim, na sexta-feira à noite notaram que estava chegando a hora extrema. Muitos Irmãos oravam fervorosamente no quarto e queriam passar a noite com ele, para ter a consolação e a sorte de receber sua bênção e presenciar-lhe a morte. Mas ele não quis e teve força suficiente para convidá-los ao repouso. Ficaram somente os Irmãos Hipólito e Jerônimo. Durante a noite continuou repetindo as jaculatórias Jesus! Maria! José! Por volta das duas e meia da madrugada disse aos Irmãos que estavam a seu lado:
- Irmãos, a lâmpada está se apagando.
- Desculpe, Padre, respondeu um deles, a lâmpada está bem acesa!
- Mas eu não estou vendo, traga-a para mais perto, sim?
Um dos Irmãos aproximou a lâmpada. Mas o Padre não conseguia enxergá-la. “Ah! disse então, com voz mortiça, estou entendendo, é minha vista que se vai, chegou a minha hora, Deus seja louvado!” Balbuciou ainda algumas preces e entrou em agonia que durou aproximadamente uma hora. Foi suave e tranqüila. Haviam cessado os vômitos e seu organismo achava-se totalmente exaurido. Às quatro e vinte a respiração passou a ser mais lenta, mais ofegante e por intervalos. A comunidade estava na capela para o canto da Salve Regina. Imediatamente procedeu-se à recitação da Ladainha da Ssma. Virgem. Durante a reza o piedoso Fundador adormeceu placidamente no Senhor.
Era sábado, 6 de junho, vigília de Pentecostes.
Várias vezes dissera durante a enfermidade: “Meu grande desejo é morrer num sábado, mas não mereço esta graça; assim mesmo espero-a da bondade de Maria”. Não só receber essa graça, mas também pôde expirar na hora que, por mais de trinta anos, havia consagrado à meditação e à união com Deus. Foi no momento da oração e após o canto da Salva Regina que a Mãe de misericórdia fê-lo passar de exílio à pátria celeste e mostrou-lhe Jesus, bendito fruto do seu ventre virginal.

Caridade para com os pobres

O Pe. Champagnat não limitava a caridade às obras de misericórdia espirituais. Assistia também os pobres em suas necessidades, na medida em que seus parcos e recursos lhe permitiam. O bem que lhes fazia vinha de três princípios:
1. a bondade o seu coração que não lhe permitia presenciar o sofrimento do próximo seu apiedar-se e ser levado a minorá-lo;
2. o profundo respeito e amor que consagrava a Nosso Senhor, feito pobre por nossa causa, e que se identifica com os indigentes;

3. o desejo ardente de trabalhar pela salvação das almas, desejo esses que a esmola lhe dava ocasião de satisfazer. Dirigia sempre algumas palavras de edificação quando dava esmola a quem lhe pedia.
Se fosse uma criança, indagava se conhecia os principais mistérios da fé cristã e, conforme o caso, fazia uma exortação ou curta instrução. Numa viagem que fez a Paris, apenas apeou da carruagem, várias crianças se aproximaram dele e, como de costume, pediram-lhe um dinheirinho. “Sim, disse-lhes, vou ajudá-las com prazer, se souberem o catecismo”. Começou a interrogá-las sobre os principais mistérios, e teve o desgosto de encontrar um menino de dez anos que os ignorava completamente. Dando-lhe a esmola, disse: “Meu filho, daqui a um mês voltarei e se tiver aprendido os mistérios, eu lhe darei cinco tostões. O guri prometeu aprendê-lo com ses colegas ou com outra pessoa, e cumpriu a palavra. Quanto voltou, o garoto correu-lhe ao encontro, gritando: “Seu padre, aprendi meu catecismo, me dê os cinco tostões que me prometeu!” E sabia mesmo, bem direitinho. E o Padre lhe deu a recompensa com muita alegria.

Quando coadjutor em Lavalla, encontrou certo número de pais, pobres e negligentes, que deixavam os filhos na ignorância das verdades da fé, não os enviando nem à escola nem ao catecismo. Reuniu essas crianças e trouxe-as para a casa dos Irmãos e ele mesmo se encarregou de dar-lhes comida e roupa. No primeiro ano eram doze. Nos anos seguintes o número foi crescendo e continuou recebendo-os enquanto foi possível alojá-los na casa. Sua bondade não se restringia às crianças. Todos os pobres da paróquia saíram ganhando. Nenhum deixava de ser atendido. A uns arranjava pão. A outros, roupas e agasalhos. Mandava preparar comida adequada para os doentes e designava dois Irmãos para assisti-los durante a noite.

Um dia chamaram-no para um doente. Apressa-se em visitá-lo e encontra um infeliz coberto de chagas, na maior miséria, tendo apenas alguns trapos a cobrir-lhes a nudez e as úlceras. Profundamente movido de compaixão à vista de tantas dores e tanta miséria, dirige-lhe, primeiramente, palavras de conforto. Depois, corre para casa, chama o Irmão ecônomo e ordena-lhe que leve imediatamente colchão, lençóis e cobertores ao infeliz que aqui acabava de visitar.
-Mas, Padre, não temos nenhum colchão sobrando.
-Como! Não encontra nenhum colchão na casa?
-Não, nenhum. Deve lembrar-se que dei o último faz alguns dias.
-Pois bem! Retire o colchão da minha cama e leve-o agora mesmo ao pobre do homem.
Muitas vezes aconteceu-lhe despojar-se desta forma, para assistir os indigentes ou fornecer a seus Irmãos aquilo que lhes faltava.
De outra feita, uma pessoa caridosa pediu-lhe que visitasse um infeliz que, além de aleijado, enfermo e mergulhado na mais profunda miséria, vomitava horríveis blasfêmias contra a religião e grosseiros insultos contra quem tinha a caridade de vista-lo e levar-lhe alguma ajuda. O Padre fez de tudo para tocar aquele coração empedernido. Tudo inútil. Viu-se constrangido a retirar-se para evitar mais blasfêmia.

Chegado em casa, disse ao Irmão encarregado de levar esmolas aos doentes: “Só há um jeito de conquistar aquele homem: fazer-lhe o bem e responder às injúrias com benefícios. A caridade, e somente a caridade, pode realizar sua conversão. Assim, é preciso dar-lhe todo o necessário, manter alguém constantemente ao lado dele para servi-lo, assisti-lo durante a noite, falar-lhe com extrema paciência e bondade e rezar muito. Deixar durante algum tempo de falar de religião, a fim de evitar mais blasfêmias. Deus fará o resto”. Seguiram à risca esses prudentes conselhos, que surtiram pleno efeito. Ao ver-se alvo de tantas atenções e tratado com tanta caridade, o doente comoveu-se e exclamou certo dia: “Agora sim, estou vendo que a religião é verdadeira, pois inspira tanta dedicação e tanta caridade. Somente ela foi capaz de levá-los, não só a me suportar – o que já seria muito – mas ainda a servi-me e dar-me tanta atenção, que eu não receberia nem de meus pais, nem de meus empregados se tivesse”. Solicitou a presença do Pe. Champagnat, a quem se confessou, depois de várias vezes pedir-lhe perdão por tê-lo recebido tão mal no primeiro encontro. Faleceu algum tempo depois, consolado pelos sacramentos e com plena resignação cristã.

Mais ou menos na mesma época chamaram-no à cabeceira de uma senhora doente para confessá-la. Encontrou-a na maior penúria, sem ter sequer lenha para se aquecer. Confessou-a, consolou-a, exortando-a a confiar em Deus e a oferecer-lhe seus sofrimentos e suas privações. Entretanto, compreendendo que em tais situações não bastava palavras de conforto, mandou trazer-lhe todo necessário para comida, roupa e lenha. Arranjou-lhe uma assistente para o dia e a noite e contratou um médico para examiná-la e tratá-la gratuitamente. Quando a mulher faleceu, assumiu o cuidado de um filho que ela deixara, devido à prolongada doença da mãe e de sua extrema indigência, o garoto não recebera nenhum princípio religioso e já havia contraído mais hábitos que, corrompendo-lhe o caráter e o coração, tornaram inúteis, por muito tempo, os cuidados que tiveram com ele.

Os Irmãos, a quem o Padre o confiou, não lhe deixaram faltar nada, quanto o roupa e comida. Foi matriculado na escola. Procuraram incutir-lhe princípios religiosos, corrigir-lhe os defeitos e os maus hábitos. Ele, porém, em vez de aproveitar das atenções que lhe prodigalizavam e mostrar-se agradecido, não correspondia à bondade senão malcriações, ingratidão e rebeldia. Acostumado a viver na vadiagem e a seguir sem freio as más inclinações, não agüentou enquadrar-se em regulamentos de escola, não aceitava as advertências nem os conselhos paternais dos Irmãos. Fugiu várias vezes, preferindo mendigar comida e viver vida de rua, a submeter-se à disciplina escolar. Cada vez os Irmãos iam buscá-lo de volta e usavam de todos os meios sugeridos pelo zelo para trazê-lo a melhores sentimentos, corrigi-lo e conquistar-lhe a amizade. Desanimados porém, com o pouco resultado de seus esforços, acabaram pedindo ao Pe. Champagnat que o abandonasse à própria sorte, “pois, disseram-lhe, estamos perdendo tempo com esse rapaz. Mais cedo ou mais tarde, seremos obrigados a mandá-lo embora”.

O piedoso Fundador, de zelo mais perseverante e indulgente, convidou-os, num primeiro momento, a ter mais paciência e rezar pelo malandrinho. Diante da insistência dos Irmãos em exigir a expulsão, podonderou-lhes: “Meus amigos, se o problema é simplesmente ver-se livre do pobre órfão, nada mais fácil. Mas que mérito haveria um jogá-lo na rua? Se o abandonarem, será que Deus não vai pedir-lhes conta de sua alma? Além disso, não lhes pesa na consciência desperdiçar a ocasião de exercitar a caridade e o zelo e, conseqüentemente, perder o mérito de reconduzir esse menino ao caminho da virtude? Se você o mandarem embora, Deus dará a outros o cuidado e a graça de educá-lo. E vocês vão lamentar terem perdido, por impaciência, esta glória missão, e será tarde demais. Adotamos este garoto. Não podemos mais abandoná-lo. Temos que guardá-lo conosco, embora nos incomode e não corresponda às nossas atenções. Devemos trabalhar sem desanimar, para que ele mude. Tenham coragem. Deus não vai permitir que tantos sacrifícios por amor desse órfão, tantos atos de caridade praticados para com ele, fiquem sem resultado. Rezem por esse menino e, tenho plena certeza, em breve lhes dará tanta consolação, quanto desgosto lhes tem causado”. Dito e feito. Pouco tempo depois, aquele menino impossível que, por anos a fio causava tanto desgosto aos Irmãos, mudou completamente: tornou-se calmo, dócil, ajuizado, parecia um anjo. Após a Primeira Comunhão, feita nas mais edificantes disposições, solicitou admissão ao noviciado. Foi atendido. Cheio de estima por sua vocação, veio a ser um Irmão piedoso, regular e obediente. Faleceu como um santo na idade de vinte e um anos, nos braços do Pe. Champagnat, cheios de gratidão pelo grande bem que lhe fizera.(470-473).

Formação educacional dos pobres

Não podendo providenciar aos indigentes todos os recursos corporais que desejavam pois a situação e os recursos não permitiam, procurou compensar amplamente, formando mestres para ministrar instrução primária e educação cristã às crianças pobres.

Foi sobretudo para elas que fundou o Instituto e é vontade sua que os Irmãos se considerem particularmente encarregados da instrução dessas crianças. Já nos primeiros compromissos que impôs aos Irmãos, o piedoso Fundador mencionara esse ponto e julgara-o tão importante que o colocou em primeiro lugar: Nós nos comprometemos acima de tudo, a instruir gratuitamente todos os indigentes que o sr. Pároco nos apresenta. Não bastava ensinarem o catecismo. Deviam transmitir todos os conhecimentos necessários à condição social das crianças e não fazer distinção alguma entre ricas e pobres.(p.476-477).

Conceitos de Champagnat sobre a educação das crianças.

Educar uma criança não é ensinar-lhe a ler, escrever e iniciá-la nos diversos conhecimentos do ensino primário. Essas noções bastariam, se o homem fosse feito só para este mundo. Mas outro destino o aguarda. Ele existe para o céu, para Deus. É para atingir essa finalidade que há de ser educado. Educar uma criança é, pois, desvendar-lhe tão nobre e sublime destino e oferecer-lhe os meios para atingi-lo. Numa palavra, educar uma criança é fazer dela bom cristão e virtuoso cidadão. Em conseqüência da queda origina, o homem vem ao mundo com o germe de todos os vícios, e também de todas as virtudes. É um lírio entre espinhos. Uma vinha, mas necessita de poda; o campo do pai de família, no qual foi lançada a boa semente, mas onde o inimigo semeou o joio. A finalidade da educação é arrancar os espinhos, podar a vinha, amanhara o campo e arrancar o joio.

Ao fundar o Instituto, o Pe. Champagnat não tencionava dar aos meninos apenas a instrução primária, nem apenas ensinar-lhes as verdades da fé, mas ainda dar-lhes a educação, com o sentido acima indicado. “Se fosse apenas para ensinar as ciências humanas aos jovens, não haveria necessidade de Irmãos; bastariam os demais professores. Se pretendêssemos ministrar somente a instrução religiosa, limirar-nos-íamos a ser simples catequistas, reuniríamos as crianças uma hora por dia, para transmitir-lhes as verdades cristãs. Nosso objetivo, contudo, é mais abrangente. Queremos educar as crianças, isto é, instruí-las sobre seus deveres, ensinar-lhes a praticá-los, infundir-lhes o espírito e os sentimentos do cristianismo, os hábitos religiosos, as virtudes do cristão e do bom cidadão. Para tanto, é preciso que sejamos educadores, vivamos no meio das crianças e que elas permaneçam muito tempo conosco”.
Ainda no intuito de proporcionar educação mais apurada, o piedoso Fundador autoriza os Irmãos a aceitarem alunos internos e insiste em que todo estabelecimento escolar tenha um pátio para os jogos dois alunos. “Se tivéssemos em vista apenas nosso interesse e tranqüilidade”, escrevia a um prefeito, “não lhe pediria um pátio, não lhes dá outra vantagem, a não ser a de se tornarem os jogos. É unicamente por nos empenharmos em dar-lhes bons princípios e afastá-los das más companhias que solicitamos um local de recreio”.

O Pe. Champagnat dizia muitas vezes que um dos meios mais adequados para atrair alunos è escola e formá-los à virtude, consistia em preparar bem o catecismo e tornar as instruções agradáveis. Para isso apontava os meios seguintes:
1. Decorar ou, pelo menos, ler com atenção e reflexão a lição que se vai explicar;
2. anotar os pontos mais importantes, sobre os quais será preciso chamar particularmente a atenção dos alunos;
3. prever as perguntas secundárias que poderão ser feitas sobre cada um desses pontos, entrosando-as entre si, de maneira a desenvolver a verdade e pô-la ao alcance dos menos inteligentes;
4. servir-se, com freqüência, de comparações, parábolas, exemplos, historinhas, para tornar mais sensível a verdade, confirmá-la e prender a atenção dos alunos;
5. proceder de tal modo que as perguntas secundárias de esclarecimento seja sempre breves, claras, práticas e simples;
6. fazer com que os alunos entendam perfeitamente o texto do catecismo, pois isto os ajuda muito a compreender as explicações que serão feitas e a conservá-las na memória;
7. no ensino do catecismo, visar sempre aos quatro pontos seguintes:
a) fazer conhecer e amar a Jesus Cristo;
b) mostrar os atrativos, os encantos, as vantagens da virtude e da felicidade dos que a praticam;
c) mostrar, igualmente, a fealdade e sordidez do vício, os males e castigos que provoca e inspirar extremo horror ao pecado;
d) conquistar o coração da criança, levá-la a amar a religião e a cumprir os deveres por amor;
8. durante a preparação do catecismo, fazer-se freqüentemente estas perguntas: Será que estou bem a par do que vou ensinar e explicar? Será que estou entendendo bem esta lição, esta verdade? Estou bem convencido? Como devo proceder para ser bem compreendido pelas crianças, para tornar-me agradável, educar-lhes a vontade, para fazerem o bem que esta verdade exige ou evita o mal que ela proíbe?
9. assumir e manter atitude séria, fisionomia alegre, afável e modesta que transpire o grande prazer que sentimos em falar de Deus.(p498-499).

Perseverança

Sto Tomás ensina que uma das maiores provas de nossa predestinação é perseverança nas boas resoluções, na prática das boas obras empreendidas para a glória de Deus e, sobretudo, a perseverança na vocação que abraçamos. A afirmação do Anjo da Escola fundamenta-se nas palavras de Cristo: “Quem perseverar até o fim será salvo” E nestas outras: “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus”.
Uma das características mais notáveis da vida do Pe. Champagnat, foi a generosidade e a perseverança com que praticou a virtude. Mostrou-se perseverante em tudo e em toda parte, tanto nas coisas pequenas, como nas grandes. Perseverante na oração entregando-se a este santo exercício com assiduidade e fervor admiráveis, apesar dos contratempos e das ocupações de que sua vida era repleta. Perseverante na correção dos próprios defeitos, na mortificação da natureza, submetendo-a ao espírito e combatendo em si tudo aquilo que poderia opor-se ao trabalho da graça ou embaçar a pureza da alma. Perseverante em suportar, com perfeita resignação, as contradições e perseguições dos homens, as aflições, enfermidades, adversidades e todas as penas inerentes à direção de uma comunidade numerosa. Perseverante na vocação, trabalhando sem descanso para ser-lhe fiel, dedicando-se totalmente aos compromissos assumidos. Perseverante nas obras começadas para a glória de Deus e a salvação das almas, embora os meios humanos financeiros lhe faltassem com freqüência, e obstáculos sem conta surgissem para barrar-lhe o caminho.
“Mesmo que a terra inteira estivesse contra mim, eu não retrocederia”, afirmava às vezes. “Basta-me saber que Deus quer o projeto e que meus superiores o aprovam; depois disto, pouco me importam as objeções dos homens e as dificuldades. Não lhes dou a mínima importância. Se tivéssemos que parar cada vez que faltassem os meios humanos, ou porque algum obstáculo viesse obstruir a passagem, não faríamos nada. Satanás é essencialmente inimigo do bem. É impossível empreendermos uma boa obra sem ele se opor, sem ele envidar todos os esforços para levá-la ao fracasso e sem jogar todas as paixões humanas contra ela. Amedrontar-se em tal situação e desanimar perante os obstáculos seria injuriar a Deus. Seria desconhecer a nota peculiar de suas obras, que é a cruz, atraiçoar os interesses da religião e entregar covardemente a vitória ao demônio”.
A persistência e firmeza do Pe. Champagnat salvaram vários estabelecimentos que os ímpios haviam jurado liquidar. Com o objetivo de se descartarem dos Irmãos, sucedeu freqüentes vezes, em várias localidades, que os censurassem, caluniassem e perseguissem. Chegaram mesmo a suprimir-lhes os vencimentos e a empregar toda a sorte de medidas para impedir que as crianças lhes freqüentassem as aulas. Contudo, foram inúteis todos os esforços do inferno. A perseverança e a paciência do Fundador conseguira-lhe o triunfo em todas as provações. Jamais cedeu um palmo ao inimigo. Preferiu sustentar, às custas da comunidade, os Irmãos perseguidos, a abandonar as escolas. Atitude tão desinteressada conquistou-lhe a confiança das pessoas de bem e lhe valeu muitos pedidos. Prazerosamente confiavam a administração das escolas a um homem capaz de fazer tais sacrifícios para conservar as obras que a caridade punha em suas mãos.(p.506-507).

Pregação de São Marcelino Champagnat

Finalizamos esta biografia de nosso venerado Pai, analisando uma belíssima instrução aos Irmãos sobre a constância, ao comentar o Evangelho do segundo domingo do Advento:

“A constância é virtude indispensável ao cristão para salvar-se, e mais ainda, ao religioso para perseverar na vocação e adquirir a perfeição de seu estado. O comportamento de Cristo no Evangelho de hoje confirma de modo cabal esta verdade. O divino Mestre tece esplêndido elogio a S. João Batista e declara, perante todo o povo, que ele é o maior dos filhos dos homens. Ora, que é que Jesus louva de modo especial e acima de tudo, no santo Precursor? Será a maravilhosa inocência, uma vez que, durante toda a vida, provavelmente não cometeu nenhuma falta venial voluntária? De modo algum. Será a humildade, tão profunda, que se julgava indigno de desatar as correias das sandálias de Jesus Cristo? De modo algum. Jesus não fala da humildade no elogio que faz a João Batista. Será o amor à castidade, que o leva a censurar com destemor, a conduta criminosa de Herodes? Também não. Os elogios de Jesus não visam à castidade, por elevada e sublime que seja. Referem-se todos à constância do santo Precursor. Para chamar a atenção sobre a firmeza inabalável de S. João, Nosso Senhor interroga aos que o cercam: que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Não! Alma tão fraca, tão leviano caráter não teria provocado vossa curiosidade e admiração. Que fostes ver então? Fostes ver um homem perseverante no exercício das mais raras e heróicas virtudes. Um homem constantemente fiel em cumprir a missão que Deus lhe confiou. perseverante na vocação e no gênero de vida austero que abraçou. Um homem sempre fiel ao serviço de Deus, na edificação do próximo, na denúncia, na repreensão aos pecadores. Constante em sofrer, com paciência inalterável e perfeita resignação, as perseguições dos maus. Foi esse o homem que fostes ver!”
“E por que Jesus Cristo louva tanto a constância? Porque esta virtude, de certo modo, encerra todas as outras e, sem ela, as outras não servem para nada. O importante, afirma Santo Agostinho, não é começar bem; é terminar bem, pois segundo Jesus Cristo, unicamente aquele que perseverar até o fim, será salvo. Porque essa é a virtude de todos os dias e de todos os instantes. De fato, a vida do cristão, ainda mais a do religioso, é combate contínuo. Para corrigir nossos defeitos, praticar a virtude, salvar a alma, urge fazer-nos constante violência e lutar contra tudo que nos rodeia. Conseqüentemente temos que lutar:

1. Contra nós mesmos, nossas paixões, nossas más inclinações, contra nossos sentidos, para mantê-los na submissão e na sobriedade;
2. Conta o demônio, leão rugidor, sempre alerta, que ronda sem cessar em volta de nós, para nos devorar; contra o sedutor dos filhos de Deus, anjo das trevas, que se transmuda em anjo de luz para melhor disfarçar suas ciladas e para mais facilmente nos apanhar em suas redes;
3. Contra o mundo, suas vaidades, máximas e escândalos; contra os maus exemplos de nossos coirmãos, não os imitando, mas cumprindo o dever e a Regra; contra nossos pais e amigos, para não atendermos à voz da carne e do sangue e amá-los sempre em Deus e por e por Deus; contra os que se tornam nossos inimigos, pagando-lhes o mal com o bem, amontoados dessa forma, como diz o Apostilo, carvões acesso nas suas cabeças.
4. Contra todas as criaturas e as cosas que nos cercam, para não nos afeiçoarmos a elas, mas nos servimos delas como simples meios para chegarmos a Deus e realizar nossa salvação.
5. Finalmente, devemos combater e lutar contra o próprio Deus, pressionando-o santamente, por meio de fervorosas orações, suportando com paciência e resignação a aridez espiritual, os dissabores, as tentações, todas as provações que a Divina Providência quiser enviar-nos”.
“Ora, só a firmeza inabalável e a constância enérgica podem sustentar pelejar tão violenta e tão persistente. Os volúveis, os pusilânimes, os covardes não agüentam, e correm sério perigo de se perder. A eles se dirigem as terríveis palavras de Nosso Senhor: ‘Quem põe a mão no arado e olha para trás – isto é, o inconstante – não é apto para o Reino de Deus’”.
Glória, só a Deus!

Bibliografia: Furet, Jean-Baptiste. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat - São Paulo: Loyola: SIMAR, 1999

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