"Francisco e Piketty veem a mesma condição humana, o primeiro através dos olhos da experiência e dos evangelhos; e o segundo, através de pilhas de documentos e planilhas", constata o editorial do National Catholic Reporter - NCR, 07-05-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
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Eis o editorial.
Ele veio com a clareza de um trovão numa planície qualquer. Cruzou o mundo num tuíte retuitado 14 mil vezes num único dia. Veio apenas duas horas depois dos últimos aplausos na Praça de São Pedro que deram fim à cerimônia de canonização dos santos João XXIII e João Paulo II.
Foi como se o Papa Francisco estivesse nos dizendo aonde precisamos ir, como igreja e como família humana, caso queiramos seguir um curso moral. É lá fora, entre os pobres e despossuídos do mundo. É lá onde encontramos a salvação.
Num tuíte de poucas palavras ele disse: “A desigualdade é a raiz dos males sociais”.
Vivemos um momento sem precedentes. Temos um pontífice que possui um grande apreço por questões globais e pela família humana, por seus anseios e falhas, como ninguém antes. Este é o nosso primeiro papa do sul global. Ao mesmo tempo, o seu cenário é amplo; a sua voz, clara; sua entrega, simples; sua autoridade, inatacável; seu domínio na comunicação, poderoso como o último celular lançado.
É claro, muitos não podem ouvir. Para uns, a mensagem é simples demais para se prestar atenção. Alguns, por exemplo, da direita política foram rápidos no criticar o tuite papal. Suas palavras, disseram eles, foram enigmáticas, demasiado simplistas, até mesmo ingênuas, incapazes de entender a economia moderna.
O que eles veem – e temem – é um papa que tem uma voz moral com uma vantagem política.
Como se fosse para fortalecer a pungência do momento, as palavras do Papa Francisco vieram ao mesmo tempo em que o novo livro do economista francês Thomas Piketty – “Capital in the Twenty-First Century” [O capital no século XXI] – estava aparecendo em todas as listas de best-sellers. Este tratado bem-documentado, de 700 páginas, sustenta que o capitalismo deste século está numa viagem só de ida em direção a uma maior desigualdade. A nós é dado a certeza de uma desigualdade maior nas próximas décadas – isso sem uma grande intervenção política. Piketty não está sugerindo o descarte do capitalismo. Diz que este sistema pode funcionar para todos, mas que precisa de sérios ajustes – como um imposto de 15% sobre o capital, um imposto de 80% sobre altos rendimentos e uma transparência imposta em todas as transações bancárias.
Estas não são as mensagens que a direita quer ouvir. Alguns da esquerda podem questionar o seu abraço à possibilidade de reforma dentro do próprio sistema.
Até que ponto o sistema permitiu que esta situação se instalasse? Nos Estados Unidos, segundo Piketty, os 1% dos mais ricos se apropriaram de 60% do aumento dos rendimentos nacionais entre 1977 e 2007. O curso, diz ele, não irá mudar, dadas as diretrizes políticas atuais, dadas as leis que estão sendo escritas pelos que mais lucram com o sistema.
Francisco e Piketty veem a mesma condição humana, o primeiro através dos olhos da experiência e dos evangelhos; e o segundo, através de pilhas de documentos e planilhas.
Em termos essenciais, vivemos num estado de pecado social, que requer uma recalibragem social, política e econômica. Francisco não é sociólogo e nem economista. O que ele conhece a partir da experiência – e que está dizendo abertamente ao mundo – é que o seu povo não está comendo, enquanto que, relativamente, uns poucos super-ricos vivem num esplendor inimaginável.
Dentro do atual sistema econômico global, riqueza significa influência na política. Quanto maior a riqueza, maior a influência – e maior a capacidade de moldar as leis a seu favor, o que contribui para o privilégio e poder político. O desafio é o de que junto com as fortunas vieram a influência política e o poder, mas também vieram maiores desigualdades numa série de questões: desde condenações à prisão e educação pública até impostos sobre ganhos de capital e iates particulares.
A desigualdade sem precedentes está atolada na inércia política. Os que fazem as leis resistem à mudança – mesmo quando uma mudança se faz necessária para a saúde, e mesmo sobrevivência, do planeta.
O tuite do Papa Francisco aparece como um ponto de exclamação à sua exortação apostólica de novembro, “Evangelii Gaudium”, onde escreve: “Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora”.
Poderá haver alguma dúvida?
FONTE: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531103-editorial-o-tuite-do-papa-sobre-a-desigualdade-social-aponta-para-um-curso-moral
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Eis o editorial.
Ele veio com a clareza de um trovão numa planície qualquer. Cruzou o mundo num tuíte retuitado 14 mil vezes num único dia. Veio apenas duas horas depois dos últimos aplausos na Praça de São Pedro que deram fim à cerimônia de canonização dos santos João XXIII e João Paulo II.
Foi como se o Papa Francisco estivesse nos dizendo aonde precisamos ir, como igreja e como família humana, caso queiramos seguir um curso moral. É lá fora, entre os pobres e despossuídos do mundo. É lá onde encontramos a salvação.
Num tuíte de poucas palavras ele disse: “A desigualdade é a raiz dos males sociais”.
Vivemos um momento sem precedentes. Temos um pontífice que possui um grande apreço por questões globais e pela família humana, por seus anseios e falhas, como ninguém antes. Este é o nosso primeiro papa do sul global. Ao mesmo tempo, o seu cenário é amplo; a sua voz, clara; sua entrega, simples; sua autoridade, inatacável; seu domínio na comunicação, poderoso como o último celular lançado.
É claro, muitos não podem ouvir. Para uns, a mensagem é simples demais para se prestar atenção. Alguns, por exemplo, da direita política foram rápidos no criticar o tuite papal. Suas palavras, disseram eles, foram enigmáticas, demasiado simplistas, até mesmo ingênuas, incapazes de entender a economia moderna.
O que eles veem – e temem – é um papa que tem uma voz moral com uma vantagem política.
Como se fosse para fortalecer a pungência do momento, as palavras do Papa Francisco vieram ao mesmo tempo em que o novo livro do economista francês Thomas Piketty – “Capital in the Twenty-First Century” [O capital no século XXI] – estava aparecendo em todas as listas de best-sellers. Este tratado bem-documentado, de 700 páginas, sustenta que o capitalismo deste século está numa viagem só de ida em direção a uma maior desigualdade. A nós é dado a certeza de uma desigualdade maior nas próximas décadas – isso sem uma grande intervenção política. Piketty não está sugerindo o descarte do capitalismo. Diz que este sistema pode funcionar para todos, mas que precisa de sérios ajustes – como um imposto de 15% sobre o capital, um imposto de 80% sobre altos rendimentos e uma transparência imposta em todas as transações bancárias.
Estas não são as mensagens que a direita quer ouvir. Alguns da esquerda podem questionar o seu abraço à possibilidade de reforma dentro do próprio sistema.
Até que ponto o sistema permitiu que esta situação se instalasse? Nos Estados Unidos, segundo Piketty, os 1% dos mais ricos se apropriaram de 60% do aumento dos rendimentos nacionais entre 1977 e 2007. O curso, diz ele, não irá mudar, dadas as diretrizes políticas atuais, dadas as leis que estão sendo escritas pelos que mais lucram com o sistema.
Francisco e Piketty veem a mesma condição humana, o primeiro através dos olhos da experiência e dos evangelhos; e o segundo, através de pilhas de documentos e planilhas.
Em termos essenciais, vivemos num estado de pecado social, que requer uma recalibragem social, política e econômica. Francisco não é sociólogo e nem economista. O que ele conhece a partir da experiência – e que está dizendo abertamente ao mundo – é que o seu povo não está comendo, enquanto que, relativamente, uns poucos super-ricos vivem num esplendor inimaginável.
Dentro do atual sistema econômico global, riqueza significa influência na política. Quanto maior a riqueza, maior a influência – e maior a capacidade de moldar as leis a seu favor, o que contribui para o privilégio e poder político. O desafio é o de que junto com as fortunas vieram a influência política e o poder, mas também vieram maiores desigualdades numa série de questões: desde condenações à prisão e educação pública até impostos sobre ganhos de capital e iates particulares.
A desigualdade sem precedentes está atolada na inércia política. Os que fazem as leis resistem à mudança – mesmo quando uma mudança se faz necessária para a saúde, e mesmo sobrevivência, do planeta.
O tuite do Papa Francisco aparece como um ponto de exclamação à sua exortação apostólica de novembro, “Evangelii Gaudium”, onde escreve: “Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora”.
Poderá haver alguma dúvida?
FONTE: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531103-editorial-o-tuite-do-papa-sobre-a-desigualdade-social-aponta-para-um-curso-moral
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