quarta-feira, 21 de maio de 2014

A economia de Jesus e o ídolo do mercado

A economia de Jesus e o ídolo do mercado

Adital
A economia dos Evangelhos é uma economia coletiva, que gira em torno do conceito de bens comuns: todos devem poder comer, se vestir, ter um trabalho e um teto sobre a sua cabeça, é isso o que Jesus prega. Conceitos que, hoje, especialmente no rico Ocidente, parecem superados, mas que ainda são profundamente válidos.
LEIA MAIS:
 

Não se pode servir a dois senhores, nos ensina o Evangelho, ou se serve a Deus ou ao dinheiro (do aramaico mamon, riqueza). Uma leitura secular nos leva a interpretar essa frase como uma exortação para se dedicar ao bem da coletividade, da sociedade, em vez da acumulação do dinheiro.
Nada de mais verdadeiro. Ilustres economistas demonstrado que a verdadeira riqueza brota do bem-estar de muitos, não só em termos existenciais, mas também e principalmente em termos econômicos: uma classe média abastada contribui mais com a receita fiscal do que uma classe média cada vez mais pobre.
Uma verdade que, infelizmente, nós, italianos, estamos tocando com as mãos: o empobrecimento da população, ao qual nós estamos assistindo desde a eclosão da bolha dos empréstimos subprime norte-americanos, contraiu as receitas fiscais, piorando a relação entre dívida e renda pública. Quanto mais esta deteriora, mais o Estado cobra; um cachorro que corre atrás do rabo, em suma.
Éramos mais ricos nos anos 1960 e 1970, quando havia o tão criticado Estado social. Um paradoxo? Não, outra verdade incômoda que se quer manter escondida a todo custo. Não é verdade que, na raiz dos males da economia ocidental, esteja o Estado social; ao contrário, a sua progressiva abolição contribuiu nos momentos de crise para o inevitável desaparecimento da classe média.
É bom esclarecer o que se entende por Estado social: não uma máquina infernal que alimenta desperdícios e que se apoia sobre um bem-estar fictício, mas sim uma estrutura social que impede que o indivíduo resvale para a pobreza. Das cooperativas até os bancos éticos, passando pelas lojas locais, o Estado social somos nós – é bom não esquecê-lo –, e é nossa responsabilidade fazer com que ele funcione bem e,ao mesmo tempo, defendê-lo.
Às vezes, basta pouco: desertemos os supermercados varejistas e compremos dos pequenos comerciantes locais; não busquemos lucros altíssimos através da especulação financeira ou imobiliária, mas invistamos em iniciativas locais, que melhoram a qualidade da nossa comunidade.
Impressiona o papel revolucionário desempenhado por Jesus de Nazaré em uma sociedade profundamente desigual, onde uma microscópica porcentagem da população gozava de toda a riqueza às custas das massas. Isso lembra alguma coisa? Não estamos muito longe do nosso presente.
Pobreza e riqueza não são condições ligadas à vontade de Deus, prega Jesus na Galileia, mas são fruto do mau funcionamento da sociedade. Um conceito que abala a ideologia econômica judaica; de fato, trata-se de uma interpretação profundamente moderna, porque restitui ao homem a responsabilidade da vida societária e separa as coisas de Deus das terrenas. Hoje, encontramo-nos diante de uma crescente desigualdade das rendas que recria a lacuna entre as elites do dinheiro e as massas que dele são privadas. O motivo é, novamente, o mau funcionamento da sociedade.
Assim, podemos traçar um paralelo entre o mundo em que Jesus nasce e prega, e a idade moderna. À época como hoje, as desigualdades se apoiavam na posse de bens e riquezas que se multiplicavam através do crédito. O outro lado da moeda era o empobrecimento daqueles que não tinham acesso a esse bem-estar e era obrigado a se endividar para poder viver.
Na Galileia, bastava uma má colheita para perder a terra, a casa, a família e ser forçado a trabalhar como operário para poder se alimentar. Hoje, o aumento dos suicídios entre os pequenos empresários testemunha a mesma fragilidade social. No fundo, o liberalismo desenfreado nos propõe uma economia muito semelhante à das províncias do Império Romano; mesmo que mascarada por trás de princípios de liberdade e democracia, é uma economia que rema apenas em favor das elites. O mercado, não a sociedade, decide quem ganha e quem perde, e nos é apresentado como um mecanismo perfeito por ser democrático.
Então, por que esse sistema, desde os anos 1970, nos presenteou uma crise econômica e financeira após a outra, por que nos últimos 20 anos ela cavou entre os ricos e os pobres um buraco onde, há anos, está despencando a classe média, a espinha dorsal da democracia, já destinada também ela a fazer parte dos pobres graças ao mecanismo do endividamento?
O mantra liberal está tão enraizado que poucos se fazem essas perguntas, ele já começou a fazer parte do nosso DNA. Não só aceitamos as suas consequências pouco democráticas, mas também celebramos os ricos como os predestinados de um deus que se assemelha muito a mamon.
Não nos damos conta de que se trata de um ídolo, de um fetiche, somos vítimas de superstições que alimentam tolerância para um modelo econômico injusto, iníquo e insustentável. A economia dos Evangelhos é uma economia coletiva, que gira em torno do conceito de bens comuns: todos devem poder comer, se vestir, ter um trabalho e um teto sobre a sua cabeça, é isso o que Jesus prega. Conceitos que, hoje, especialmente no rico Ocidente, parecem superados, mas que ainda são profundamente válidos.
Hoje, assim como há 2.000 anos, a sociedade é frágil porque, entre os dois senhores, prevalece o dinheiro. Hoje, assim como há 2.000 anos, precisamos reencontrar o espírito societário para recomeçar a crescer, não sozinhos, mas todos juntos.
[Loretta Napoleoni é economista, italiana, ex-presidente do grupo de combate ao terrorismo financeiro do Clube de Madri, tendo também trabalhado como consultora da ONU. O artigo foi publicado no jornal Avvenire, 07-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto do IHU.
FONTE: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=80674

Nenhum comentário:

Postar um comentário