A economia de Jesus e o ídolo do mercado
Adital
A economia dos
Evangelhos é uma economia coletiva, que gira em torno do conceito de bens
comuns: todos devem poder comer, se vestir, ter um trabalho e um teto sobre a
sua cabeça, é isso o que Jesus prega. Conceitos que, hoje, especialmente no
rico Ocidente, parecem superados, mas que ainda são profundamente válidos.
LEIA MAIS:
Não se pode servir a dois senhores, nos ensina o Evangelho,
ou se serve a Deus ou ao dinheiro (do aramaico mamon, riqueza). Uma leitura secular nos leva a interpretar essa
frase como uma exortação para se dedicar ao bem da coletividade, da sociedade,
em vez da acumulação do dinheiro.
Nada de mais verdadeiro. Ilustres economistas demonstrado
que a verdadeira riqueza brota do bem-estar de muitos, não só em termos
existenciais, mas também e principalmente em termos econômicos: uma classe
média abastada contribui mais com a receita fiscal do que uma classe média cada
vez mais pobre.
Uma verdade que, infelizmente, nós, italianos, estamos
tocando com as mãos: o empobrecimento da população, ao qual nós estamos
assistindo desde a eclosão da bolha dos empréstimos subprime norte-americanos,
contraiu as receitas fiscais, piorando a relação entre dívida e renda pública.
Quanto mais esta deteriora, mais o Estado cobra; um cachorro que corre atrás do
rabo, em suma.
Éramos mais ricos nos anos 1960 e 1970, quando havia o tão
criticado Estado social. Um paradoxo? Não, outra verdade incômoda que se quer
manter escondida a todo custo. Não é verdade que, na raiz dos males da economia
ocidental, esteja o Estado social; ao contrário, a sua progressiva abolição
contribuiu nos momentos de crise para o inevitável desaparecimento da classe média.
É bom esclarecer o que se entende por Estado social: não uma
máquina infernal que alimenta desperdícios e que se apoia sobre um bem-estar
fictício, mas sim uma estrutura social que impede que o indivíduo resvale para
a pobreza. Das cooperativas até os bancos éticos, passando pelas lojas locais,
o Estado social somos nós – é bom não esquecê-lo –, e é nossa responsabilidade
fazer com que ele funcione bem e,ao mesmo tempo, defendê-lo.
Às vezes, basta pouco: desertemos os supermercados
varejistas e compremos dos pequenos comerciantes locais; não busquemos lucros
altíssimos através da especulação financeira ou imobiliária, mas invistamos em
iniciativas locais, que melhoram a qualidade da nossa comunidade.
Impressiona o papel revolucionário desempenhado por Jesus de
Nazaré em uma sociedade profundamente desigual, onde uma microscópica
porcentagem da população gozava de toda a riqueza às custas das massas. Isso
lembra alguma coisa? Não estamos muito longe do nosso presente.
Pobreza e riqueza não são condições ligadas à vontade de
Deus, prega Jesus na Galileia, mas são fruto do mau funcionamento da sociedade.
Um conceito que abala a ideologia econômica judaica; de fato, trata-se de uma
interpretação profundamente moderna, porque restitui ao homem a responsabilidade
da vida societária e separa as coisas de Deus das terrenas. Hoje,
encontramo-nos diante de uma crescente desigualdade das rendas que recria a
lacuna entre as elites do dinheiro e as massas que dele são privadas. O motivo
é, novamente, o mau funcionamento da sociedade.
Assim, podemos traçar um paralelo entre o mundo em que Jesus
nasce e prega, e a idade moderna. À época como hoje, as desigualdades se
apoiavam na posse de bens e riquezas que se multiplicavam através do crédito. O
outro lado da moeda era o empobrecimento daqueles que não tinham acesso a esse
bem-estar e era obrigado a se endividar para poder viver.
Na Galileia, bastava uma má colheita para perder a terra, a
casa, a família e ser forçado a trabalhar como operário para poder se
alimentar. Hoje, o aumento dos suicídios entre os pequenos empresários
testemunha a mesma fragilidade social. No fundo, o liberalismo desenfreado nos
propõe uma economia muito semelhante à das províncias do Império Romano; mesmo
que mascarada por trás de princípios de liberdade e democracia, é uma economia
que rema apenas em favor das elites. O mercado, não a sociedade, decide quem
ganha e quem perde, e nos é apresentado como um mecanismo perfeito por ser
democrático.
Então, por que esse sistema, desde os anos 1970, nos presenteou
uma crise econômica e financeira após a outra, por que nos últimos 20 anos ela
cavou entre os ricos e os pobres um buraco onde, há anos, está despencando a
classe média, a espinha dorsal da democracia, já destinada também ela a fazer
parte dos pobres graças ao mecanismo do endividamento?
O mantra liberal está tão enraizado que poucos se fazem
essas perguntas, ele já começou a fazer parte do nosso DNA. Não só aceitamos as
suas consequências pouco democráticas, mas também celebramos os ricos como os predestinados
de um deus que se assemelha muito a mamon.
Não nos damos conta de que se trata de um ídolo, de um
fetiche, somos vítimas de superstições que alimentam tolerância para um modelo
econômico injusto, iníquo e insustentável. A economia dos Evangelhos é uma
economia coletiva, que gira em torno do conceito de bens comuns: todos devem
poder comer, se vestir, ter um trabalho e um teto sobre a sua cabeça, é isso o
que Jesus prega. Conceitos que, hoje, especialmente no rico Ocidente, parecem
superados, mas que ainda são profundamente válidos.
Hoje, assim como há 2.000 anos, a sociedade é frágil porque,
entre os dois senhores, prevalece o dinheiro. Hoje, assim como há 2.000 anos,
precisamos reencontrar o espírito societário para recomeçar a crescer, não sozinhos,
mas todos juntos.
[Loretta Napoleoni é economista,
italiana, ex-presidente do grupo de combate ao terrorismo financeiro do Clube
de Madri, tendo também trabalhado como consultora da ONU. O artigo foi
publicado no jornal Avvenire, 07-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto do
IHU.
FONTE: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=80674
Nenhum comentário:
Postar um comentário