segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A VOCAÇÃO DO LEIGO MARISTA


Um irmão se aproximou de mim e me perguntou: “Você também é marista?” (Acho que ele queria perguntar se eu era irmão marista). Então respondi: “Sim, sou marista!” Esta expressão saiu do mais profundo de minha alma e me senti reconhecido ao me expressar dessa maneira. (Espanha)

                                

 

     Filhos deste tempo       

 

1.     Nossa época, como todos os períodos da História, é um misto de luz e sombra. Cresceu a sensibilidade em torno de questões como a paz, a justiça, a ecologia e a espiritualidade. Mas a Terra se encontra hoje devastada, com milhões de pessoas condenadas à miséria ou subjugadas pela superficialidade e pelo desejo de poder.

 
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2.     Nós, leigos cristãos, partilhamos as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias[i] das pessoas de nosso tempo e, seduzidos pelo Deus de Jesus, queremos viver e dar testemunho hoje da Boa Notícia do Evangelho. Filhos do espírito renovador do Concílio Vaticano II[ii], descobrimos nossa vocação de batizados e sentimo-nos impulsionados pelo Espírito para transformar esse mundo em lugar mais justo e humano, caminhando no seguimento de Jesus.

 

3.     Nesse despertar da vocação leiga, descobrimos que a nossa identidade atingia sua plenitude nos carismas dos institutos religiosos[iii]. Sua espiritualidade e missão nos cativaram e fizeram-nos sentir que Deus nos chamava a compartilhar seu legado e a ajudar a projetá-lo no futuro. Muitas famílias religiosas têm recebido esse dom com alegria.

 

4.     O mesmo aconteceu conosco, maristas. O carisma de São Marcelino Champagnat, presente no Instituto dos irmãos, inflamou os leigos. Deus tocou alguns de s e nos deu um coração marista. Certamente, mais do que uma decisão nossa, foi uma iniciativa de Deus. Não podemos viver de outra maneira: somos maristas!

 

 

Posso dizer que me sinto realizada e orgulhosa por ser uma leiga com o coração marista. É uma revelação que Deus foi pouco a pouco manifestando com novos chamados, novas intuições, novos sonhos, uma história cheia de vida que nunca termina de ser escrita. (Brasil)

 

 

Os leigos na Igreja, Povo de Deus

 

Quando entrei em contato com a instituição marista, buscava apenas trabalho. Mas Deus saiu no meu encalço, e senti o eco da intuição de Marcelino no meu coração. De alguma forma entendi que esse chamado também se dirigia a mim, que trabalhar com meninos e meninas era algo que me completava, fazia sonhar, tocava a minha vida... Sinto que posso fazer isso o resto de meus dias. E devo fazê-lo bem. (El Salvador) 

 

5.     A vida laical nasce, como toda vocação cristã, da resposta ao encontro com Deus, que nos ama infinitamente. É fruto de nosso batismo, que nos envia a cumprir a missão cristã por excelência: tornar o Reino de Deus real neste mundo.

 

6.     Cristo nos reúne como Povo de Deus, iguais em dignidade e diferentes em nossos serviços e estados de vida. Todos, e cada um, trabalhamos na única e comum vinha do Senhor com carismas e com ministérios diferentes e complementares[iv]. Somos um povo de irmãos porque somos filhos do mesmo Pai.

 

7.     Nessa comunhão eclesial, o Espírito fez brotar, entre os leigos, carismas que nasceram, originariamente, em institutos religiosos. O dom do carisma compartilhado inaugura um novo capítulo, rico de esperanças[v], no caminho da Igreja. O mesmo aconteceu conosco, os maristas. O carisma de São Marcelino Champagnat se expressa em novas formas de vida marista. Uma delas é a do laicato marista.

 

 

Os leigos maristas

 

Posso escutar claramente esse chamado em minha vida, como se essa vocação tivesse sido pensada especialmente pra mim. Falo de uma vocação que ultrapassa os muros de qualquerobra marista’, de um chamado que impregna toda a minha vida, uma vocação que me ajuda a ser mais gente, mais feliz e mais completa. É uma vocação que me desafia o tempo todo e a cada momento que respondo ‘Sim’ me faz uma pessoa melhor, nas diversas realidades em que minha condição de leiga me convida a viver. (Brasil)

 

Diferentes formas como os leigos se colocam diante do carisma


 

8.     O mundo do laicato relaciona-se com o marista por uma variedade de expressões. Muitas pessoas entram em contato com a vida e a missão dos irmãos maristas de diferentes maneiras. Alunos, educadores, catequistas, pessoal de administração e de serviço, ex-alunos, pais e amigos, todos conhecem os irmãos e seu carisma.

 

Desse relacionamento com os irmãos, surgem diferentes atitudes:

 

9.     Algumas pessoas vivem identidades diferentes da marista: umas, porque fizeram opções de vida distintas da cristã; outras, por terem encontrado seu próprio lugar na Igreja. Acolhemos e respeitamos as diferentes opções e caminhos.  Partilhamos com todas elas os valores humanos e cristãos, unimos forças para trabalhar na construção de um mundo melhor e damos graças a Deus por tudo o que delas recebemos.

 

10. Outras pessoas foram atraídas pelo testemunho dos irmãos. Admiram o seu modo de vida e desejam vincular-se à sua espiritualidade e à sua missão, sem entender isso como vocação partilhada. Algumas não refletiram suficientemente sobre o significado desta vinculação e necessitam de espaços de acompanhamento que lhes permitam descobrir o que Deus espera delas.

 

11. um terceiro grupo que, a partir de um processo pessoal de discernimento, decidiu viver sua espiritualidade e sua missão cristãs do jeito de Maria, seguindo a intuição de Marcelino Champagnat. Estes somos s, os leigos maristas.

 

 

Os leigos maristas: uma vocação cristã


 

Foi mais recentemente que comecei a sentir a presença de Jesus me acompanhando, dando-me força e me fazendo sonhar, e me esperando. me dei conta de que precisava parar para estar com Ele, e assim poder encontrá-Lo.  E agora acho que o encontrei! Fazia tempo que Ele me falava das crianças e dos jovens mais necessitados, porém não o entendia bem. Foi então que “‘me levou ao deserto e me falou ao coração” e me fez ver que me queria para Ele, para continuar construindo o Reino com todo o meu ser. (Espanha)

 

12. Como leigos maristas, somos cristãos e cristãs que atenderam ao chamado de Deus para viver o carisma de Champagnat e a ele respondem a partir de seu estado de vida laical.

 

13. A iniciativa de nossa vocação parte de Deus. Ele nos ama e deseja a nossa plenitude e, por isso, convida cada um a percorrer um caminho único. Deste modo, a vocação laical marista não nasce como necessidade em períodos de crise vocacional dos irmãos, tampouco como maneira de manifestar-lhes afeto. É um chamado pessoal para um modo específico de ser discípulos de Jesus.

 

14. A vocação leiga marista, como toda vocação, nasce e se desenvolve interpretando a própria vida à luz do Espírito.  Esse discernimento tem diferentes etapas e, por isso, é preciso acompanhar cada pessoa, respeitando o seu ritmo.

 

15. Cristãos e cristãs, com histórias e culturas muito diferentes, compartilhamos o chamado para viver o carisma marista no estado laical. Somos gratos a Deus pela dádiva de fazer parte de uma família que fala muitas línguas e tem um coração.

 

 

A vocação laical marista e a vocação de irmão

 

16. Temos, leigos e irmãos, muito mais em comum do que de específico em nossa vocação: todos compartilhamos a beleza e os limites da condição humana neste momento histórico; vivemos uma mesma vocação cristã desde o batismo e sentimos o chamado de Deus para o carisma marista.

 

17. Temos certeza de que nossas respectivas vocações iluminam-se mutuamente. Assim como vamos descobrindo quem somos ao nos relacionar com os outros, a identidade específica de irmão e leigo marista fica mais clara e se enriquece ao partilhar vida: espiritualidade, missão, formação...[vi]

 

Havia algo a mais naquele irmão: a dedicação, a atitude de acolher a todos, a maneira de se dirigir aos pacientes, o espírito renovado que eu percebia em cada doente sob seus cuidados, a espontaneidade na defesa dos sem voz. Todos esses detalhes transcendiam o cumprimento dos afazeres profissionais. Ele era diferente. (Brasil)

 

18. Em resposta a um chamado de Deus, os irmãos são pessoas que optam por um estado de vida reconhecido na Igreja como vida religiosa ou vida consagrada. Eles nos oferecem seu testemunho de seguimento a Jesus por seus compromissos públicos.

 

19. A opção pelo celibato, vivido em fraternidade e sem se terem escolhido uns aos outros, expressa o amor de Deus como comunidade de irmãos abertos a todos. A vida de pobreza, renunciando à posse de bens materiais próprios, manifesta a liberdade evangélica que supera a ambição material e se abre para o serviço dos demais. O compromisso de obediência a Deus, pelas mediações humanas[vii], torna significativa uma disponibilidade especial para o Reino.

 

20. Os irmãos nos oferecem uma forma própria de cultivar a espiritualidade, que nos anima a crescer juntos na . O estado de vida do irmão é um sinal profético especial para o mundo e para os demais cristãos, que nos recorda nosso próprio chamado à radicalidade e paixão por Cristo.

 

Às vezes, em encontros ou intervenções, ouço a expressão ‘colaboradores’ quando se referem aos leigos, e também encontro essa expressão em alguns documentos. Isso soa para mim como se os leigos fossem aqueles a quem se reservam as sobras, que ajudam quando têm tempo, que ocupamos os lugares onde os irmãos não estão, que fazem os trabalhos que os irmãos não podem fazer... Que dor sinto em meu coração quando escuto a palavra ‘colaboradora’, porque parece que me deixam de fora! Eu me considero como leiga marista vocacionada, parte da família marista! (Venezuela)

 

21. Como leigos, contribuímos com uma forma específica de viver o carisma marista. Somos muito mais do que colaboradores dos irmãos.

 

22. O amor conjugal manifesta a fidelidade e a paixão de Deus e recorda a paixão e a fecundidade que deve animar toda vocação cristã[viii]. Da mesma maneira, o amor dos pais pelos filhos é imagem viva do amor incondicional que Deus tem por nós[ix].

 

23. O compromisso com as realidades do mundo nos torna sinais de Deus nos diferentes ambientes sociais, econômicos e políticos em que vivemos, o que nos capacita a descobrir, com um olhar próprio, os apelos de Deus nessas situações.

 

24. A profissão é uma forma de realização pessoal e de serviço ao Reino. A necessidade de prover o sustento diário, assim como a instabilidade inerente à condição laical, permitem-nos um contato mais direto com a realidade.

 

25. A forma como as mulheres vivem o carisma marista nos convida todos a integrar os elementos marianos, como a tenacidade, a resistência, o carinho maternal, a ternura, a atenção aos detalhes e a intuição em nossa experiência cotidiana.

 

26. Como leigos e irmãos, aprofundamo-nos em nossas vocações específicas, à medida que nos encontramos uns com os outros em um caminho que descortina o futuro e do qual temos descoberto características significativas.

 

 

A transmissão de um dom: o carisma marista

 

Vir a conhecer Marcelino Champagnat, superando a visão daquele jovem simpático que eu via retratado no quadro da parede, não foi fácil. Finalmente me dei conta de que aqui, na Nova Zelândia, temos o nosso próprio e verdadeiro Marcelino na pessoa do irmão N. Trabalha incansavelmente, possui um coração generoso e ótimo senso de humor; é amável e paciente; quando conversa com uma pessoa faz com que ela se sinta como a única na sala cheia de gente; relaciona-se com todos sem que lhe importe idade ou condição; aprecia a simplicidade, está disponível sempre que pode e sabe tirar o melhor de todos com quem se relaciona. (Nova Zelândia) 

 

27. A vocação religiosa dos irmãos tem inspirado a nossa própria vocação laical. A experiência da acolhida, simplicidade e presença entre os jovens fascina e nos anima a ser testemunhas de Jesus hoje.

 

28. Também o exemplo de muitos leigos, que viveram e vivem o carisma marista com simplicidade, fizeram com que tivéssemos consciência de nossa vocação. Eles escreveram com a própria vida o que hoje expressamos com palavras.

 

29. A vitalidade de um carisma se manifesta quando ele é recebido, recriado à luz dos sinais dos tempos e transmitido aos outros. Junto com os irmãos, somos responsáveis por impulsionar e projetar esse dom de Deus em direção ao futuro.

 

 

São Marcelino Champagnat: nossa inspiração para seguir Jesus

 

Acho que o que mais me surpreende em Marcelino é o fato de que, apesar dos inúmeros obstáculos que teve de enfrentar, perseverou e superou tudo por ser um homem de . Deus deve ter tocado profundamente o seu interior, e ele, como Maria, disse “Sim”. Fico admirado com a sua afabilidade, sua decisão, sua lealdade, sua confiança, sua firmeza e seu sonho de um mundo melhor para os jovens. (Austrália)

 

30. Marcelino é nossa inspiração para seguir Jesus. Nele encontramos um modelo de vida cristã que nos comove, seduz e anima todos os dias a superar-nos, seguindo o único Mestre.

 

31. A mesa de La Valla e a casa de L’Hermitage são símbolos que encarnam o dom de Deus que Marcelino nos transmite e continuam sendo, para nós, fonte de inspiração para recriar o carisma marista em nossos dias. Compartilhando o pão e construindo a casa, sentimos que Marcelino nos convida também, hoje, a ser comunidade para a missão.

 

32. Champagnat, que iniciou o sacerdócio com dificuldades nos estudos, viveu toda a vida em aldeias e entregou-se até o fim de seus dias para que as crianças e os jovens experimentassem o amor de Deus, hoje é um exemplo que não inspira apenas a família marista. A Igreja, ao proclamá-lo santo, apresentou-o como modelo para todos os cristãos.

 

33. A Igreja reconhece que a intuição de São Marcelino continua viva hoje em nós e é um presente de Deus para o mundo. A missão marista é chamada a multiplicar-se até que, em todas as dioceses do mundo, as crianças e os jovens saboreiem a ternura de Deus[x]. Como leigos maristas, acreditamos que Deus nos convoca a prolongar essa intuição na história, como seguidores de Cristo do jeito de Champagnat.

 

 

Três dimensões de uma única vida: missão, vida partilhada e espiritualidade

 

A primeira coisa que me cativou no carisma foi sua consciência educativa e sentir que ‘o marista’ é uma forma de ser cristão no mundo e para o mundo, situação nada comum nos movimentos religiosos. Mas o que me levou a escolher ser marista foi me ver confirmada em minha condição de mulher, em minha condição de educadora, em minha condição de membro da Igreja em uma comunidade em que se respira um ar de família. Isso se percebe na profundidade e na simplicidade dos vínculos, no acompanhamento, na presença constante e libertadora, nas dificuldades e desavenças, como em qualquer família. (Uruguai)

 

34. Ser seguidor de Cristo, hoje, ao estilo de Champagnat, significa comprometer-se com as três dimensões fundamentais cristãs e maristas: a missão, a vida partilhada e a espiritualidade. Essas dimensões são inseparáveis: a espiritualidade é vivida na e para a missão; a missão cria e anima a vida partilhada; a vida partilhada é, por sua vez, fonte de espiritualidade e de missão.

 

35. As tarefas podem ser distintas na missão; as ênfases na espiritualidade são variadas; a vida partilhada se traduz em muitas formas. Missão, espiritualidade e comunhão são como três cores que formam um único raio de luz: o carisma marista. Dependendo dos contextos e momentos, destaca-se uma ou outra dessas dimensões; todavia é impossível transitar por uma delas sem encontrar as outras duas.

 

 

 

 




 
[i] Gaudium et Spes, 1
 
[ii] Cf. Lumen Gentium, 4
 
[iii] Cf. Vita Consecrata, 54-55
 
[iv] Christifideles Laici, 55
 
[v] Vita Consecrata, 54
 
[vi] XX Capítulo Geral, Escolhamos a Vida, 26
 
[vii] Querer a vontade de Deus e desejar cumpri-la no decorrer de nossa vida levam-nos a aceitar um conjunto de mediações (Constituições, 40)
 
[viii] Cf. Os. 2,16-25 e todo o Cântico dos Cânticos.
 
[ix] Cf. Lc. 15,11-32
 
[x] Caderno 4 do Pe. Champagnat. AFM 132.4, p. 33, nº 6
 

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