terça-feira, 24 de setembro de 2013

RELIGIÃO E SOCIEDADE

Por Padre Manfredo Araújo de Oliveira

Em seu encontro no Rio de Janeiro com lideranças de diversos segmentos da sociedade brasileira, o papa Francisco abordou o tema do diálogo construtivo para enfrentar os desafios do mundo presente. Uma democracia, afirma, não se pode reduzir a um mero equilíbrio da representação de interesses estabelecidos, mas ela cresce quando as diversas riquezas culturais dialogam de maneira construtiva. Fundamental neste processo é, para ele, a contribuição das grandes traduções religiosas “que desempenham um papel fecundo de fermento na vida social e de animação da democracia”.

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Este é hoje um tema que se tornou central para muitos dos analistas do nosso tempo. Entre estes, o pensador alemão J. Habermas, para quem os cidadãos devem respeitar-se mutuamente como membros de sua comunidade política, dotados de iguais direitos apesar do dissenso em questões de visão do mundo e convicção religiosa. Nesta base, os cidadãos devem buscar nas questões disputadas um entendimento mútuo racionalmente legitimado, o que implica a obrigação recíproca de apresentar bons argumentos, que são imparciais tanto para cidadãos religiosos como não religiosos.

As tradições religiosas têm uma especial sensibilidade para o que falta em nossas sociedades, para a vida fracassada, para as patologias sociais, para o fracasso de projetos individuais de vida, pois elas conservam na memória aquelas dimensões da existência humana em que os progressos da vida social e cultural geraram danos irreparáveis. Por que hoje elas não podem continuar sendo fontes de inspiração depois de traduzidas suas mensagens em discursos profanos?

Para Habermas, as visões do todo da realidade, religiosas ou não, podem ser introduzidas na discussão política pública desde que sejam apresentadas com argumentos políticos apropriados e não a partir de razões exclusivas de suas doutrinas. Nesta concepção a liberdade religiosa só pode ser garantida sob a condição das comunidades religiosas aceitarem a neutralidade das instituições do Estado do ponto de vista das visões do mundo e a determinação do uso público da razão. A democracia só se efetiva se os cidadãos religiosos e os seculares passarem por processos complementares de aprendizado. A polarização da antinomia secular/religioso põe em xeque o próprio senso comum dos cidadãos de uma sociedade democrática e a coesão da comunidade política.

Por isto, para que o diálogo seja possível, os cidadãos seculares têm também de passar por um aprendizado, pois enquanto estiverem convencidos de que as posições religiosas não passam de uma relíquia de sociedades pré-modernas considerarão a liberdade de religião apenas como uma proteção cultural para “espécies naturais em extinção” e, consequentemente, excluirão a possibilidade de aprender um conteúdo racional das contribuições religiosas. O aprendizado fundamental da razão secular consiste em primeiro lugar na tomada de consciência através de uma autocrítica dos limites da razão secular e na superação de uma perspectiva secularista, antirreligiosa em princípio, que considera as tradições religiosas irracionais e absurdas. Isto exige certamente uma mudança tão profunda de mentalidade, cujas pretensões não são menores do que as de uma consciência religiosa que se confronta com a razão secular.

Fonte: Adital

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