Por Padre Manfredo Araújo de Oliveira
Em seu encontro no Rio de Janeiro com lideranças
de diversos segmentos da sociedade brasileira, o papa Francisco abordou o tema
do diálogo construtivo para enfrentar os desafios do mundo presente. Uma
democracia, afirma, não se pode reduzir a um mero equilíbrio da representação de
interesses estabelecidos, mas ela cresce quando as diversas riquezas culturais
dialogam de maneira construtiva. Fundamental neste processo é, para ele, a
contribuição das grandes traduções religiosas “que desempenham um papel fecundo
de fermento na vida social e de animação da democracia”.
LEIA MAIS:
Este é hoje um tema que se tornou central para
muitos dos analistas do nosso tempo. Entre estes, o pensador alemão J. Habermas,
para quem os cidadãos devem respeitar-se mutuamente como membros de sua
comunidade política, dotados de iguais direitos apesar do dissenso em questões
de visão do mundo e convicção religiosa. Nesta base, os cidadãos devem buscar
nas questões disputadas um entendimento mútuo racionalmente legitimado, o que
implica a obrigação recíproca de apresentar bons argumentos, que são imparciais
tanto para cidadãos religiosos como não religiosos.
As tradições religiosas têm uma especial
sensibilidade para o que falta em nossas sociedades, para a vida fracassada,
para as patologias sociais, para o fracasso de projetos individuais de vida,
pois elas conservam na memória aquelas dimensões da existência humana em que os
progressos da vida social e cultural geraram danos irreparáveis. Por que hoje
elas não podem continuar sendo fontes de inspiração depois de traduzidas suas
mensagens em discursos profanos?
Para Habermas, as visões do todo da realidade,
religiosas ou não, podem ser introduzidas na discussão política pública desde
que sejam apresentadas com argumentos políticos apropriados e não a partir de
razões exclusivas de suas doutrinas. Nesta concepção a liberdade religiosa só
pode ser garantida sob a condição das comunidades religiosas aceitarem a
neutralidade das instituições do Estado do ponto de vista das visões do mundo e
a determinação do uso público da razão. A democracia só se efetiva se os
cidadãos religiosos e os seculares passarem por processos complementares de
aprendizado. A polarização da antinomia secular/religioso põe em xeque o próprio
senso comum dos cidadãos de uma sociedade democrática e a coesão da comunidade
política.
Por isto, para que o diálogo seja possível, os
cidadãos seculares têm também de passar por um aprendizado, pois enquanto
estiverem convencidos de que as posições religiosas não passam de uma relíquia
de sociedades pré-modernas considerarão a liberdade de religião apenas como uma
proteção cultural para “espécies naturais em extinção” e, consequentemente,
excluirão a possibilidade de aprender um conteúdo racional das contribuições
religiosas. O aprendizado fundamental da razão secular consiste em primeiro
lugar na tomada de consciência através de uma autocrítica dos limites da razão
secular e na superação de uma perspectiva secularista, antirreligiosa em
princípio, que considera as tradições religiosas irracionais e absurdas. Isto
exige certamente uma mudança tão profunda de mentalidade, cujas pretensões não
são menores do que as de uma consciência religiosa que se confronta com a razão
secular.
Fonte: Adital
Nenhum comentário:
Postar um comentário