“Mesmo passados mais de 50 anos da grande reviravolta proporcionada pelo Concílio Vaticano II, observa-se que na realidade nem todas as suas potencialidades foram exploradas”
por Pe. Almir Magalhães*
É fato incontestável que nós cristãos estamos
hoje diante de tantos desafios, e temos consciência de grande parte deles, que
nos colocam numa encruzilhada não em termos de definições ou de propostas de
saídas, para isto temos as Diretrizes da Igreja no Brasil, mas de uma
perspectiva que não se preocupe com os resultados, mas com o processo, o
caminho, uma metodologia participativa, portanto da co-responsabilidade de todos
na missão evangelizadora da Igreja e que torne os interlocutores da
evangelização como sujeitos, protagonistas e não como objetos ou que considere a
figura do leigo como “menor de idade”.
Mesmo passados mais de 50 anos da grande
reviravolta proporcionada pelo Concílio Vaticano II, observa-se que na realidade
nem todas as suas potencialidades foram exploradas ou institucionalizadas; temos
ainda um longo caminho a percorrer em várias direções, especialmente no que diz
respeito à Catequese de Iniciação à vida cristã e permanente, a uma
religiosidade subjetiva e não eclesial e acima de tudo desprovida de preocupação
com o social, com os mais pobres, aliadas a uma insensibilidade quanto ao
sofrimento do outro. Claro que poderíamos elencar aqui muitos outros
aspectos.
leia mais:
No lugar disso o que se constata é a
predominância de uma religiosidade de autoajuda, muito bem registrada nas atuais
Diretrizes Gerais (Doc. 94 da CNBB), quando afirma:
“O discípulo missionário observa, com
preocupação, o surgimento de certas práticas e vivências religiosas,
predominantemente ligadas ao emocionalismo e ao sentimentalismo. O fenômeno do
individualismo penetra até mesmo certos ambientes religiosos, na busca da
própria satisfação, prescinde-se do bem maior, o amor de Deus e o serviço aos
semelhantes. Oportunistas manipulam a mensagem do Evangelho em causa própria,
incutindo a mentalidade de barganha por milagres e prodígios, voltados para
benefícios particulares, em geral vinculados aos bens materiais. Exclui-se a
salvação em Cristo, que passa a ser apresentada como sinônimo de prosperidade
material, saúde física e realização efetiva. Reduzem-se, desse modo, o sentido
de pertença e o compromisso comunitário-institucional…” (DGAE, nº. 94, n.
22).
Acredito que este pequeno texto é bastante lúcido
e pode nos remeter a duas leituras: a primeira diz respeito a algo muito comum
em encontro de massas, quando os pregadores “profetizam”. Numa multidão de mais
de um milhão e meio de pessoas destaca que está vendo alguém, com roupa tal, dá
outras características e finalmente enfatiza o que ela veio buscar no referido
encontro. Não quero questionar a moção do Espírito nas pessoas, mas sim o
fenômeno em si. Num evento desse quilate, aconteceu este tipo de prática e qual
os comentários que escurei? “Você viu, ele disse até a cor da roupa da mulher”.
Quem sai fortalecido nesta história? Quem tem o contato com o divino, é algo
sobrenatural, quem sabe na paranormalidade. O conceito de profecia adequa-se a
esta forma de visão, de “adivinhação”? O exercício da profecia está muito ligado
com as injustiças sociais, são pessoas que incomodam… Sei que a questão é
controversa, mas é o que tenho a partilhar.
A segunda relaciona-se com a busca da própria
satisfação não levando em conta o serviço aos semelhantes. Enfim, é a
reafirmação do individualismo que se distancia demasiadamente do cristianismo,
seja porque deixa de lado o espírito comunitário, seja porque se baseia num
intimismo na relação vertical com Deus, na busca da solução de problemas
pessoais, da questão da autoajuda, despreocupando-se com o serviço aos
semelhantes, especialmente aqueles que estão na mesma comunidade. Afinal de
contas a base do cristianismo é amor a Deus e ao próximo.
A religiosidade aqui considerada como de
autoajuda, marcadamente ligada ao aspecto terapêutico, tem sua fundamentação no
neo-pentecostalismo, muito aceito na sociedade atual e dando até a impressão que
é isto aí mesmo, é por aí que se encontra o sucesso (é isso que queremos?) tendo
em vista as multidões que arrastam, seja na Igreja Católica ou mesmo nos irmãos
separados.
O processo na busca do êxodo está indicado no
Documento de Aparecida (nn. 365, 366), quando fala da conversão pastoral ou
quando afirma que a missão deve comunicar a vida, “ que a vida se alcança e
amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros. Isso é
definitivamente missão (DAp. n. 360). Parece que há uma distância enorme entre o
que foi dito e esta indicação.
*Pe. Almir Magalhães é da Arquidiocese de
Fortaleza, Diretor Geral e professor da Faculdade Católica de Fortaleza.
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