quarta-feira, 20 de novembro de 2013

LAMENTO DOS AFRO-DESCENDENTES

Hoje, dia 20 de novembro, é o Dia Nacional Brasileiro da Consciência Negra, dia em que se comemora a morte-martírio de Zumbi dos Palmares (1655-1695), líder do Quilombo dos Palmares.

            Em 2013 já se passaram 125 anos da Lei Áurea de 1888, por meio da qual foi abolida, juridicamente, a escravidão negra no Brasil, mesmo que naquela data mais de 95% dos negros já haviam conseguido, por seus próprios esforços, a liberdade.


(“ZUMBI”, pintura por Antônio Parreiras)


          


Creio, porém, continuar a ser necessário nos interrogarmos até que ponto a discriminação racial ainda persiste, tanto em nós mesmos, no estado brasileiro em todos os seus segmentos - especialmente nas políticas públicas referentes ao acesso ao ensino público, à assistência médica, ao emprego -, como também na Igreja Católica e em muitas outras denominações religiosas.


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            Uma reflexão sobre o texto que segue, há anos escrito por Leonardo Boff, ajuda a nos interrogar a nós mesmos no concernente à atitude de cada um(a) diante da maior parte do povo brasileiro.

 
“Meu irmão branco,  minha irmã branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!

Eu te inspirei a música carregada de banzo e o ritmo contagiante. Eu te ensinei como usar o bumbo, a cuíca e o atabaque. Fui eu que te dei o rock e a ginga do samba. E tu tomaste do que era meu, fizeste nome e renome, acumulaste dinheiro com tuas composições e nada me devolveste.

Eu desci os morros, te mostrei um mundo de sonhos, de uma fraternidade sem barreiras. Eu criei mil fantasias multicores e te preparei a maior festa do mundo: dancei o carnaval para ti. E tu te alegraste e me aplaudiste de pé. Mas logo, logo, me esqueceste, reenviando-me ao morro, à favela, à realidade nua e crua do desemprego, da fome e da opressão.

 

Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!

Eu te dei em herança o prato do dia-a-dia, o feijão e o arroz. Dos restos que recebia, fiz a feijoada, o vatapá, o efó e o acarajé: a cozinha típica da Bahia. E tu me deixas passar fome. E permites que minhas crianças morram famintas ou que seus cérebros sejam irremediavelmente afetados, infantilizando-as para sempre.

Eu fui arrancado violentamente de minha pátria africana. Conheci o navio-fantasma dos negreiros. Fui feito coisa, “peça”, escravo. Fui a mãe-preta para teus filhos e filhas. Cultivei os campos, plantei o fumo para o cigarro e a cana para o açúcar. Fiz todos os trabalhos. E tu me chamas de preguiçoso e me prendes por vadiagem. Por causa da cor da minha pele me discriminas e me tratas ainda como se continuasse escravo.

 

Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!

Eu soube resistir, consegui fugir e fundar quilombos: sociedades fraternais, sem escravos, de gente pobre mas livre, negros, mestiços e brancos. Eu transmiti, apesar do açoite em minhas costas, a cordialidade e a doçura à alma brasileira. E tu me caçaste como bicho, arrasaste meus quilombos e ainda hoje impedes que a abolição da miséria que escraviza, continue como realidade cotidiana e efetiva.

Eu te mostrei o que significa ser templo vivo de Deus. E, por isso, como sentir Deus no corpo cheio de axé e celebrá-lo no ritmo, na dança e nas comidas sagradas. E tu reprimiste minhas religiões chamando-as de ritos afro-brasileiros ou de simples folclore. Não raro, fizeste da macumba caso de polícia.

 

Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!

Quando com muito esforço e sacrifício consegui ascender um pouco na vida, ganhando um salário suado, comprando minha casinha, educando meus filhos e filhas, cantando o meu samba, torcendo pelo meu time de estimação e podendo tomar no fim de semana uma cervejinha com os amigos, tu dizes que sou um negro de alma branca, diminuindo assim o valor de nossa alma de negros, dignos e trabalhadores. E nos concursos em igual condição quase sempre tu me preteres em favor de um branco. Porque sou negro.

E quando se pensaram políticas públicas para reparar a perversidade histórica, permitindo-me o que sempre me negaste, estudar e me formar nas universidades e assim melhorar minha vida e de minha família, a maioria dos teus grita: é contra a constituição, é uma discriminação, é uma injustiça social. Mas finalmente a Justiça agora nos fez justiça e nos abriu as portas das universidades federais.

 

Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo: Que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!”

“RESPONDE-ME, POR FAVOR”.

 

E nós brancos, os que dispomos do ter, do saber e do poder, geralmente calamos, envergonhados e cabisbaixos. É hora de escutar o lamento destes nossos irmãos e irmãs afro-descendentes, somar forças com eles e construir juntos uma sociedade inclusiva, pluralista, mestiça, fraterna, cordial onde nunca mais haverá, como ainda continua havendo no campo, pessoas que se atrevem a escravizar outras pessoas.

 

OXALÁ POSSASMOS GRITAR: “ESCRAVIDÃO NUNCA MAIS!”

E ENXUGANDO AS LÁGRIMAS

PODEMOS DIZER COMO NO APOCALIPSE:
TUDO ISSO PASSOU!”
 

Fortaleza, 20-11-2013,

texto apresentado e postado por Geraldo Frencken
 
FONTE:http://padrescasadosceara.blogspot.com.br/2013/11/lamento-dos-afro-descendentes.html

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