Não é raro ver,
nos noticiários da TV acerca do conclave a ser realizado em Roma nestes dias, a
imagem de São Pedro como primeiro papa, sentado num trono e com a mitra ou a
tiara na cabeça.
Mas o(a) católico(a), já bastante desconfiado(a) diante do
que se mostra na TV, se pergunta: será que essas imagens correspondem à
história? Dou aqui algumas informações históricas que podem ajudar a ter clareza
sobre esse ponto.
1.É claro que Pedro se destaca entre
os apóstolos. No evangelho de Mateus (16, 16-19), Jesus tem palavras
particularmente elogiosas para ele. Pedro tinha dito: ‘Jesus, você é o ungido de
Deus. Você não fala na ira de Deus nem na condenação, como muitos profetas, mas
cuida das pessoas e lhes transmite sempre uma mensagem positiva. Tudo que você
faz e diz é direcionado para o bem das pessoas’. E Jesus: ‘Pedro, você é como
uma pedra, tão segura é sua palavra. Se todos entendessem o que você diz aqui,
minha igreja estaria bem segura, como se fosse construída sobre uma rocha. Você,
Pedro, capta minhas intenções’.
2. Na época se praticava muita cura de
doença na Palestina. Os chamados exorcistas andavam pelos vilarejos a curar e
consolar os doentes. O povo acreditava que eles expulsavam os demônios, que
seriam os causadores de todos os males. Mas a maioria desses exorcistas eram
charlatães que se aproveitavam das misérias humanas para se exibir e extorquir
dinheiro. O evangelho de Marcos mostra Jesus como um exorcista diferente,
sensível diante das misérias humanas e muito cuidadoso com as pessoas. Daí seu
imenso sucesso, em toda a Galileia e mesmo além. Ele curou muita gente e teve
muitos seguidores (apóstolos), por sua vez enviados para curar, expulsar
demônios e consolar.
3.
E assim Pedro, seguindo às orientações de Jesus, se tornou igualmente
um grande exorcista. Os Atos dos Apóstolos relatam que,depois da morte de seu
mestre, ele foi um dos exorcistas mais requisitados da Palestina. Por onde
passava, ‘os doentes se alinhavam nas praças para que pelo menos sua sombra
passasse por eles’(At 5, 15-16). Pedro parece um novo Jesus, como se pode
verificar comparando o texto aqui citado dos Atos dos Apóstolos com o capítulo 6
do evangelho de Marcos (vv. 55-56). Aparecem as mesmas palavras: vilarejo, maca,
praça, etc. O autor dos Atos quer mostrar que Pedro continua a tarefa de Jesus.
Muitos outros textos mencionam Pedro como exorcista ‘em nome de Jesus’, como a
segunda carta de Pedro (escrita por um discípulo do apóstolo), o Apocalipse de
Pedro e os Atos de Pedro, sendo os dois últimos textos apócrifos. Autores
importantes dos séculos II e III como Justino, Ireneu e Tertuliano também
mencionam Pedro, mas sempre na qualidade de exorcista, nunca de papa.
4. Mesmo o historiador Eusébio de
Cesareia, um dos ideólogos do imperador Constantino (século IV), não vê em Pedro
um papa, mas um exorcista. Você mesmo pode verificar isso no Google (Eusébio de
Cesareia, História Eclesiástica, 2, 14, 6) ou consultando o volume 15 da
‘Patrística’ (Editora Paulus, 2000), na página 91. Aí Eusébio escreve que Pedro
viajou a Roma, não para assumir o ministério papal, mas para combater o
exorcista Simão, um samaritano, que fazia falsos milagres e causava muito mal.
Na mesma ‘História Eclesiástica’, um pouco adiante (2, 25, 4-5) você pode ler
que Tertuliano, um autor do início do século III, escreve que há muita gente
indo a Roma par venerar os túmulos de Pedro e Paulo. As pessoas não iam para ver
o papa, mas para visitar os lugares onde, segundo a tradição, os dois principais
apóstolos teriam sido martirizados.
5.
Pedro não é o único exorcista da escola de Jesus que teve sucesso. A
história nos conserva alguns outros nomes: os sete filhos do sumo sacerdote Ceva
(At 19, 13-15), Jacó de Quifas Secania (que curou um rabino em nome de Jesus),
Eleazar e finalmente o exorcista anônimo em Mc 9, 38. Quando os apóstolos
reclamam a Jesus que há outros exorcistas atuando em seu nome, ele tem uma
reação inesperada: ‘deixem que eles também trabalhem. Quem não é contra nós,
trabalha em nosso favor’(Mc 9, 38-40). A ideia de Jesus deve ter sido a
seguinte: quanto mais pessoas se empenham em cuidar da saúde das pessoas, tanto
melhor.
6.
Em toda essa história não aparece nenhum sinal de papa. Segundo os
documentos, o primeiro bispo do Ocidente a ser chamado ‘papa’ foi Cipriano,
bispo de Cartago entre 248 e 258, enquanto o primeiro bispo de Roma a receber
oficialmente o nome ‘papa’ foi João I, no século VI. Disso tudo pode se deduzir
que as origens do cristianismo são bem diferentes do que existe hoje. Os modelos
passam, o evangelho fica.
08 de
março de 2013.
Fonte: Enviado por
email pelo autor.
Blogspot: http://eduardohoornaert.blogspot.com.br/
Padre
casado, belga, com mais de 5O anos de Brasil, historiador
e
teólogo, mais
de 20 livros publicados. Mora em Salvador.
Dedica-se
agora ao estudo das origens do cristianismo
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