A Igreja Católica leva consigo um imenso paradoxo. O sociólogo Olivier Bobineau descreveu bem a situação. “A Igreja católica é uma junção paradoxal de dois elementos opostos por natureza: uma convicção – o descentramento segundo o amor – e um chefe supremo dirigindo uma instituição hierárquica e centralizada segundo um direito unificador, o direito canónico.
De um lado, a crença
no invisível Deus-Amor; do outro, um aparelho político e jurídico à procura de
visibilidade. O Deus do descentramento dos corações que caminha ao lado de uma
máquina dogmática centralizadora. O discurso que enaltece uma alteridade
gratuita coexiste com o controlo social das almas da civilização paroquial – de
que a confissão é o arquétipo – colocado sob a autoridade do Papa. Numa palavra,
a antropologia católica tenta associar os extremos: a graça abundante e o
cálculo estratégico. Isso dá lugar tanto a São Francisco de Assis como a
Torquemada.”
Esta junção paradoxal é superável? Os desafios
para a Igreja com o novo Papa são muitos.
1. Desafio essencial é a conversão de
todos os seus membros ao Evangelho, começando pelos que estão mais
alto: papa, bispos, cardeais, padres. Acreditar em Jesus e tentar segui-lo. E
anunciar a fé viva de sempre na linguagem do nosso tempo, articulando-a com a
razão. E, contra um cristianismo reduzido a proibições, apresentá-lo como
mensagem positiva e realização felicitante de sentido.
2. Outro, decisivo para o futuro: a
reforma da Cúria Romana e do governo da Igreja em geral (há quem se
pergunte: mas a Cúria será reformável?). Tem de haver mais simplicidade
(acabar com aqueles títulos todos: Eminência, Excelência, Monsenhor…) e
transparência e democraticidade. Pergunta-se, por exemplo, se o
actual modelo de eleição papal não sofre de endogamia, já que o Papa escolhe
aqueles que elegerão o sucessor. Não se impõe um processo mais participativo e
universal? Quanto às dioceses, alguém já sugeriu, em vez de dioceses gigantes,
um bispo para um número mais reduzido de fiéis, que deveriam participar na sua
eleição.
3. É intolerável que possa haver
sequer suspeitas de que pelo Banco do Vaticano passa lavagem de
dinheiro. Exige-se, pois, uma gestão eficaz e transparente. Jesus foi
contundente: “Não podeis servir a Deus e a Mamôn” (o Dinheiro
divinizado).
4. Tem de continuar a mão inflexível
da tolerância zero no que se refere à pedofilia.
5. É uma pergunta enorme, a
de um biblista belga, que me disse um dia em Bruxelas: como é que o
movimento iniciado por Jesus desembocou numa instituição com um Papa chefe de
Estado?
Evidentemente, onde há homens e mulheres – e
os católicos são 1200 milhões – tem de haver um mínimo de instituição. O que ela
não pode é ter o primado, pois este pertence às pessoas e aos seus problemas. O
Papa é uma figura de influência mundial e, uma vez que, por razões que a
História explica, a Santa Sé e o Vaticano existem, exige-se que estejam, através
das suas redes diplomáticas, ao serviço da paz, dos direitos humanos e do
diálogo entre as nações.
6. Sem se negar, a Igreja tem de
modernizar-se e, sendo verdadeiramente global, tem de estar aberta ao
pluralismo. Esta abertura implicará também o acesso da mulher aos
ministérios ordenados, o fim da lei do celibato, a reconciliação com a
sexualidade e a revisão de questões como a pílula e o preservativo, a
possibilidade da ordenação de homens casados, a comunhão para os divorciados
recasados.
7. A continuação do diálogo ecuménico
intracristão e inter-religioso e intercultural é um desafio irrenunciável, bem
como o contributo para o debate nas questões de bioética.
* Pe. Anselmo Borges –
missionário da Boa Nova, professor de
Filosofia na Universidade de Coimbra, escritor.
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