No século passado, marcado
profundamente pela “Guerra Fria” (1945-1991), encabeçada pelos Estados Unidos
da América do Norte e União Soviética, a preocupação reinante dos líderes
mundiais era a tensão entre Leste e Oeste. A mídia mundial também se dedicava exaustivamente
a esta questão. Havia, porém, alguém que procurava abrir os olhos do mundo para
uma grave tribulação, pouco reportada na mídia. Era Dom Helder Camara, uma voz
que ecoava pelo mundo afora. Ele afirmava: “O
problema fundamental não é o confronto entre Leste e Oeste, mas entre Norte e
Sul, entre países ricos e países pobres. Comunismo e anticomunismo é uma
questão secundária.” Sem querer banalizar, de forma alguma, aquele conflito
político-econômico e militar, o Dom da Paz procurava alertar a todos por um
problema que se alastrava por toda a história da humanidade, agravando-se a
cada ano pelo mundo afora: a maldita divisão do planeta terra entre ricos e pobres,
Norte e Sul. Era esta a problemática sobre a qual toda a humanidade, todos os
governos e demais instâncias haviam de debruçar-se. O conflito tenso entre
Leste e Oeste somente aumentava a situação de pobreza e miséria. “Atenção, meus Irmãos-Homens! A violência n.º
1 é a miséria. Miséria que engloba sub-habitação, sub-trabalho, sub-diversão,
sub-saúde, sub-vida, opressão ... dominação!” (Dom Helder em sua “Sinfonia dos dois mundos”).
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Lembrei-me desta profética denúncia
do “Profeta do Século XX”, ao assistir a noticiários televisivos, reportando o
encontro entre o Papa Francisco e o presidente estadunidense Barack Obama. Os
comentaristas destacaram, repetidamente, que os dois líderes mundiais não
tocaram em assuntos polêmicos como homoafetividade, mulheres para o sacerdócio,
padres pedófilos, união de casais do mesmo sexo, escândalos financeiros do
Banco do Vaticano, etc., mas somente
“conversaram sobre temas como o combate à
pobreza e a paz mundial”.
Que pena! Nenhum tema polêmico!
Nenhuma divergência! Nenhuma acusação! Nenhum assunto ‘quente’! Nenhuma
discordância entre os dois. Nenhum dedo em riste! Aquelas reportagens davam a
impressão que a pobreza não seria um tema polêmico, divergente ou ‘quente’, e a
paz mundial pouco relevante.
Quero
refletir sobre qual compreensão temos do Papa Francisco e de sua importância
para o momento atual do mundo e da Igreja, inserida na realidade deste mundo. Através
da leitura que faço do seu modus vivendi, da maneira dele se apresentar, seus
gestos, de tudo que fala e escreve, percebo, com muita clareza, que ele quer,
em primeira instância e urgentemente, acordar a Igreja, toda a sociedade e,
consequentemente, cada um(a) de nós, a fim de enxergarmos o que realmente é
importante, o que está acontecendo no mundo e qual deve ser a nossa primordial preocupação.
Trata-se do problema da crescente pobreza. Ele se questiona a si mesmo,
interroga a Igreja e chama a nossa atenção, porque a aflição em relação à
pobreza e aos pobres não é algo criado por ele, a sim é uma exigência que vem
de dentro do Evangelho de Cristo, no qual os pobres - em concordância e
continuidade com a tradição bíblica desde os tempos do Antigo Testamento - são
os preferidos de Deus, os primeiros a receberem a Boa Nova, os escolhidos para
formarem o povo no Reino de Deus.
A
fim de não alongar-me, apresento apenas dois exemplos de como o Papa Francisco
expressa esta sua preocupação de diversas maneiras:
- Sobre a política econômica que rege o mundo, ele dá um claro “não a uma economia da exclusão e da desigualdade social”, a economia que mata: “Não é possível que a morte por enregelamento de um idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode mais tolerar o fato de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isso é desigualdade social: a cultura do ‘descartável’ que faz dos excluídos ‘resíduos’, ‘sobras’.” (Exortação “Alegria do Evangelho”, n.º 53).
- Em diálogo com os superiores gerais das ordens e congregações masculinas, ele diz: “É preciso olhar tudo a partir da periferia. É preciso andar na periferia para conhecer de verdade como vivem as pessoas. Caso contrário, corre-se o risco de um fundamentalismo de posições rígidas com base em uma visão centralizada. Isto não é saudável (…) Hoje Deus está nos pedindo para deixar o ninho que nos acomoda. Também aquele que está na clausura é enviado através da sua oração para que o Evangelho possa crescer no mundo. Estou convencido de que a chave hermenêutica mais importante é o cumprimento do mandato evangélico: ‘Ide’! ‘Ide’!” (28-11-2013).
É
claro que aqueles outros assuntos (pedofilia, escândalos financeiros etc.) são de
grande relevância, mas, para o Papa Francisco não estão em primeiro plano. Ele
sabe muito bem que estas temáticas têm ocasionado, por parte da Igreja,
atitudes pouco evangélicas ao longo da história, posicionamentos procedentes de
visões de moral e ética temporárias, portanto sujeitas à mudança. Por
conseguinte, acerca de todas estas questões, urge agora, antes de tudo, um
profundo e sincero diálogo. O Papa
Francisco aponta para esta atitude de escuta e busca de entendimento, quando
diz: “Quem sou eu para julgar!?”.
Quem
sabe, se abordássemos todas estas questões, partindo do mundo dos pobres,
nossas ideias e convicções poderiam transformar-se.
Fortaleza, 02-04-2014,
Geraldo Frencken – geraldof73@yahoo.com.br
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