Uma
opinião provavelmente chocante – especialmente para os católicos africanos que
tendem a ser conservadores – mas inderrogável: continuar a fazer de conta que o
problema não existe só vai causar danos sempre mais graves, continua Musaala,
relativos tanto ao sofrimento dos sacerdotes como também às consequências
“escandalosas” e criminosas. O ‘”auto-engano”, a negação do problema, explica o
sacerdote, pode durar por mais uns dez anos, mas depois muitos escândalos virão
à luz e, então, o sistema vai implodir, provocando o abandono da Igreja Católica
e a migração de grande parte dos fiéis para outras comunidades de fé “, cujos
pastores talvez nem sejam melhores, mas, com certeza, vão parecer menos
hipócritas.” Tudo isso em um contexto eclesial de crescente descontentamento,
sobretudo entre as classes médias.
Todos, na
Uganda, falam sobre os casos amorosos dos sacerdotes, lemos na carta: no
cabeleireiro ou no bar, na confissão ou em casa. Trata-se de relações mais ou
menos ocultas que os sacerdotes mantêm, fugaz ou permanentemente
com paroquianas, garçonetes, estudantes, padres, freiras, e até mesmo religiosos
que oferecem sexo em troca de dinheiro.
E –
é a nota triste – infelizmente mesmo com menores, sem que na África o escândalo
da pedofilia suscite a indignação pública como aconteceu na Europa e na América
do Norte. Completa o quadro uma ainda não contabilizada quantidade de filhos
espalhados pelo país ou abortado por não “sujar’ a imagem do mesmo padre.
“Emerge assim uma grande fraqueza humana – conclui Musaala – com consequências
catastróficas tanto para o padre como para os parceiros. Fraqueza que não pode
ser escondida atrás de um voto de celibato, orações e rituais. “
É “a verdade nua e crua” que a Igreja
na África continua a empurrar, como se fosse poeira, para baixo do tapete, bem
representada por alguns “casos” que o Pe. Anthony conta na carta: um rapaz de 21
anos que tentou o suicídio, filho de um padre que finge ser seu tio e que exerce
o ministério na Arquidiocese de Kampala; um amigo dele, que nasceu da violência
de um pai branco já falecido, que nunca conseguiu superar a injustiça sofrida
pela mãe, apesar da compensação financeira da congregação; uma jovem de Kampala
Velha, que caiu na miséria e depois foi enganada e engravidada por um padre; uma
mulher que se ia confessar apenas para ser acariciada na escuridão do
confessionário; finalmente, ele próprio que, muito jovem ainda, descobriu o
concorrido mundo do sexo entre os estudantes das escolas católicas. “Casos não
são isolados, sintomáticos de um sistema doente que perdeu a sua integridade,
mas que nunca vai admitir isso.”
A proposta
Os casos de abuso infantil devem ser
tratados com processos legais, da mesma forma que todos os outros crimes,
escreve Musaala, lembrando que, entretanto – e, claro, em completa autonomia em
relação à Igreja – decidiu criar uma rede de profissionais para apoiar vítimas
de pedofilia eclesiástica.
“É necessária – acrescenta – uma
campanha de sensibilização pelo celibato opcional”, “já que não há argumentos
teológicos”, “mas apenas as restrições de tradição e da disciplina da Igreja”.
“Estou ciente do fato de que a luta será dura. Infelizmente, o celibato também
serve a alguns interesses na estrutura de poder da Igreja e, claro, para a
autoridade eclesiástica, os padres celibatários são menos caros, mais fáceis de
gerenciar e até mesmo de manipular.
Eu acho que com o tempo estaremos livres
deste jugo inútil e mais grave ainda na África, onde os laços familiares são
cruciais para o equilíbrio psicológico das pessoas. “Uma regra, conclui,
removendo uma pedrinha do sapato, que, além do mais, só vale para os padres que
não têm poder suficiente para gozarem da cobertura complacente das hierarquias
católicas locais.
A
resposta
Segundo o
arcebispo de Kampala, Cyprian Kizito Lwanga – o texto da sua resposta, datada de
19 de março, está disponível no site do jornal ugandês Daily Monitor, 20/3 – a
carta do Pe. Anthony Musaala causou grande perturbação entre os fiéis e
jogou uma luz ruim sobre a Igreja da Uganda, que sempre foi comprometida com a
defesa dos direitos das crianças e dos mais vulneráveis. O celibato é uma
obrigação prevista pelo código de direito canônico, mas também pelo juramento do
diácono que fez os votos, acrescentou o prelado. Ninguém é forçado a se tornar
padre e, portanto, as críticas feitas pelo Pe. Musaala estão incorretas. Além
disso, o seu ensino, diz também o arcebispo, “desperta o ódio e o desprezo
contra a Igreja”, e portanto “, ele incorre em uma suspensão ferendae
sententiae, como prescrito pelo Can. 1314 ‘.
Giampaolo Petrucci
Tradução: João Tavares
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