No princípio do Cristianismo eram os Leigos. Jesus era
leigo; os seus discípulos e discípulas eram leigos: pescadores, cobradores de
impostos, domésticas… As primeiras testemunhas da Ressurreição foram os leigos
e, antes dos Apóstolos, as mulheres. Os leigos foram a
vanguarda da Igreja: estavam no mundo, aonde Jesus Cristo nos enviou a
todos:«Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura» (Mc.
16,15). Os cristãos estavam em tudo quanto era sítio: na família, no trabalho,
no exército…
Ainda não havia templos. Entre os
mártires – as testemunhas pelo sangue e pela vida, dada por Cristo – eles
constituíam o seu maior número, concretamente as mulheres: S.ª Felicidade, S.ª
Perpétua, S.ª Inês, S.ª Cecília, S.ª Agata (Águeda)…
Quando acabou a perseguição, pelo édito
de Milão (313), de Constantino, não encontrando melhor meio de dar a vida por
Cristo, foram eles – os Leigos – a retirar-se para o deserto (fuga mundi), para
se consagrarem totalmente ao Senhor; assim começou o monaquismo (=vida
isolada), depois transformado em cenobismo (vida em comum), por influência de S.
Basílio (no Oriente) e S. Martinho de Tours, S.º Agostinho e S. Bento (no
Ocidente). Quando a Igreja precisava de Bispos para conduzir as Comunidades ia
buscá-los ao deserto e ordenava-os, primeiro como sacerdotes e depois como
Bispos…
Depois veio o clericalismo: o predomínio do clero: fosse ele de ordem
doutrinária (séculos XII-XIII), em que o Papa delegava nos príncipes o governo
temporal dos povos; fosse ele de ordem social, que defendia que o maior grau de
cultura do clero lhe dava direito a orientar os assuntos de ordem temporal;
fosse ele de ordem eclesial, o que nós melhor conhecemos, que reserva(va) ao
clero todas as iniciativas e responsabilidades pastorais… Foi a clericalização
das ordens religiosas e da Igreja, que arrastou consigo a marginalização dos
leigos, reduzidos a meros cumpridores…
E, assim, chegámos ao Concílio Vaticano II – designado o Concílio dos Leigos
– que preconizou a autonomia da esfera temporal e a maioridade eclesial dos
leigos, concretamente na Gaudium et Spes. Refira-se, de passagem, que a maioria
dos 20 Concílios anteriores tiveram, como finalidade, a condenação de heresias e
do mundo, ao contrário do Vaticano II que procurou olhar e ver o mundo, como
Jesus o olhava e via.
Mas, afinal, onde estão os Leigos? Que fizeram e fazem eles pela Igreja? Não
é o seu lugar o mundo da profanidade: a família, a escola, o trabalho, a
política?… Afinal, onde estão eles? Na família é o que se vê, com o aumento dos
divórcios e a negligência na passagem (=tradição) da fé aos filhos; na escola e
nos Infantários, a mesma coisa; no trabalho, nem falar; na política, a desgraça
total; nas Paróquias, quando muito, vemo-los no templo, de volta dos altares e
dos Padres, como leitores, cantores ou Ministros extraordinários da Comunhão…
Infelizmente, a maioria deles, mesmo aqueles que têm cursos superiores, a nível
da fé, é analfabeta, tendo-se ficado pela catequese infantil de preparação para
a Comunhão. Quem é que os vê, como catequistas de crianças, de adolescentes e
jovens, ou ajudando nos Cursos de Preparação para o Matrimónio? As catequeses
das nossas Paróquias continuam, na maioria dos casos, entregues a pessoas de boa
vontade, mas sem formação capaz… Daí a debandada geral, após a recepção dos
Sacramentos, à falta do testemunho de cristãos credíveis…
A Fé tem que ser inteligível, para ser credível: inteligível, antes de mais
para quem crê; temos que terrazões para crer, senão não as temos para
evangelizar: “Intellige ut credas” – dizia S.º Agostinho: procura compreender o
que crês, para o creres mais convictamente e o testemunhares com mais
credibilidade; S.º Inácio de Loiola diria: ‘procede, como se tudo dependesse de
ti e nada de Deus! Mas, não podemos ficar por aqui; por isso, continua S.º
Agostinho: “crede ut intelligas!” Mantém-te fiel, no seguimento de Cristo, ainda
que não compreendas, de momento, o que crês, que a compreensão é filha da
fidelidade; S.º Inácio diria: ‘procede como se tudo dependesse de Deus e nada de
ti’!
Um dia, um jovem alemão disse-me que admirava os Jesuítas pela sua ligação ao
mundo. De facto, S.º Inácio de Loiola viu-se e desejou-se para conseguir a
libertação da vida conventual: nada de hábito religioso, pois não é o hábito que
faz o monge; nada de Liturgia conventual das horas…Queria homens livres que
pudessem ‘discorrer’ por todo o mundo. Não terá sido, por isso, que a Companhia
de Jesus teve tanto sucesso, nos primeiros anos, sobretudo em Portugal, graças
aos descobrimentos?
Onde estamos nós hoje? A primeira finalidade do Concílio foi levar a Igreja à
descoberta da sua identidade: Igreja que dizes de ti? O que és? Para que
existes? Qual a tua missão? Como estás a ser e a viver? Igreja, que tens a dizer
ao mundo e como estás a dizê-lo? Como é que o mundo te vê? Que significas para
ele? Como é que tu o ouves e ele te ouve? Muito pouco? Quase nada? Porquê?… Não
continuarão a ser estas as questões centrais para a vida e missão da Igreja,
hoje?
Porque será que o mundo não nos estima? Seremos verdadeiramente o que o
Senhor nos mandou ser: fermento, sal e luz do mundo? Como o poderemos ser, se a
nossa maior tentação – pelo menos nos últimos séculos – foi e é a fuga mundi,
agora, não para o deserto, que era e é mundo, mas para o convento e a sacristia
(o templo), que não existiam, no princípio?… «Deus não enviou o seu Filho ao
mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele» (Jo. 3,
17). Se assim é – se o próprio Filho de Deus não teve medo do mundo, porque
haveremos nós de o ter?
Pe. Domingos Monteiro da Costa, SJ
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