segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A MULHER NAS IGREJAS

Nas Igrejas cristãs, o desafio é como conseguir manter a diferença homem-mulher sem cair na desigualdade. Porque, se a desigualdade foi um crime contra a humanidade, a perda da diferença também seria uma diminuição da humanidade. A análise é do teólogo valdense italiano Paolo Ricca, em artigo publicado na revista da Associação Oreundici, n. 3, de junho de 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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Eis o texto.
Uma Igreja masculina
Uma história que virá
Estamos em uma espécie de aurora. Os estudos sobre a mulher na Bíblia e na história das comunidades cristãs são uma novidade recente. Nós somos as testemunhas de uma experiência que está começando, um pouco como aconteceu nas primeiras comunidades cristãs.
Para aquela geração, foi uma novidade tão grande que, depois, ela foi redimensionada rapidamente. Era grande demais. Pois bem, a nossa geração está vivendo algo semelhante: lentamente, fatigosamente, com muitas contradições – exatamente como na tradição bíblica neotestamentária – está se recuperando o lugar da mulher na Igreja.
São os primeiros grunhidos de uma história que virá, que está chegando. Todas as iniciativas que vão nessa direção contribuem para tornar possível, aprofundar e enraizar na consciência cristã a vocação da mulher na Igreja.
Subdivido a minha exposição em duas partes: na primeira, vou dizer em quais âmbitos a mulher operava na comunidade cristã nascente; na segunda, vou dizer como progressivamente a mulher foi marginalizada, de quase todas as funções, até se tornar o “proletariado do cristianismo”. Tal como na sociedade industrial do século XIX o proletariado levava as coisas para a frente, as mulheres levam a Igreja para a frente, mas justamente como proletárias, isto é, sem poder.
O espírito profético

São quatro os âmbitos em que a mulher tinha um papel no cristianismo nascente. O primeiro surge do relato bíblico do Pentecostes, segundo o qual o apóstolo Pedro, no discurso da primeira pregação cristã, cita aquele versículo profeta Joel onde se diz que Deus, nos últimos dias, derramará o seu Espírito sobre todas as pessoas: “Os seus filhos e as suas filhas profetizarão”. O Espírito, portanto, é derramado sobre toda carne, não se detém diante das diferenças de sexo.
Na Igreja de Corinto também havia profetizas (1Cor 11, 5). De fato, Paulo não contesta às mulheres que profetizem, ou seja, que façam discursos inspirados, que rezem de uma certa maneira, que anunciem as coisas que devem acontecer etc.
Na mesma Carta aos Coríntios, há também a famosa frase “as mulheres fiquem caladas na assembleia”, embora poucos versículos antes o apóstolo Paulo tinha dito o contrário, ou seja, que a mulher pode profetizar, contanto que tenha a cabeça coberta.
Os estudiosos, então, acreditaram que a frase “que as mulheres fiquem caladas na assembleia” é uma interpolação posterior para harmonizar o discurso de Paulo com o que está contido na Primeira Carta a Timóteo: “Proíbo as mulheres de profetizarem”.
No entanto, o tema agora relevante é que a profecia é um dos âmbitos em que as mulheres exerceram um papel, mesmo que, dentro da comunidade cristã – a partir da segunda metade do primeiro século –, difunde-se um movimento contrário que tende a reduzir as mulheres ao silêncio.
Isso explica o que aconteceu no século II, isto é, o nascimento de um movimento que a Igreja julgou como herege, o montanismo. O montanismo era um movimento que se chamava de “nova profecia”, cujas figuras centrais eram mulheres: Priscila, Maximila, Quintila. O movimento montanista tende a recuperar a palavra profética das mulheres, justamente enquanto estava em curso a tendência a monopolizar a palavra nas figuras do presbítero e do bispo, figuras, portanto, masculinas. Esse movimento é julgado como herético justamente porque devolvia a palavra às mulheres, bem como por outras razões plausíveis.
O espírito de serviço
Há inúmeras figuras femininas, evocadas pelo apóstolo Paulo nas suas cartas aos Romanos (capítulo 16) e aos Filipenses (capítulo 4), que são chamadas de “minhas colaboradoras nos esforços apostólicos, na difusão do Evangelho, na pregação, na missão”.
Na Carta aos Romanos, chama a atenção o elevado número de mulheres que hospedavam as comunidades cristãs nas suas casas e, consequentemente, desempenhavam funções ministeriais. Tudo isso suscita uma grande surpresa em uma sociedade machista, patriarcal, que não considerava a mulher nem mesmo como um verdadeiro sujeito.
No Novo Testamento, a diaconia é a categoria que abrange toda a ministerialidade: e a qualificação de diácono é a única que Jesus seguramente se atribuiu, como testemunha o Evangelho de Lucas (capítulo 22): “Eu estou no meio de vocês como aquele que serve” (ou “diakonon”, como diácono).
Esse título, no entanto, logo desapareceu, superado pelo de kurios, Senhor, que lhe foi atribuído justamente por causa da ressurreição. Mas, se Jesus tivesse sido invocado não só como Senhor, mas também como diácono, provavelmente a história da Igreja teria sido muito diferente.
Em um livro chamado de apócrifo, o dos “Atos de Paulo e Tecla”, está presente uma hipotética discípula de Paulo (estamos no século II, provavelmente). Mesmo que o personagem não seja necessariamente histórico, nesses Atos (capítulo 42), Paulo diz a Tecla: “Vá e ensine a palavra de Deus”, e Tecla não só ensina a palavra de Deus, mas também batiza e realiza curas.
Posteriormente, houve um período em que a mulher desempenhou uma atividade de ensinamento em relação às pessoas que queriam se tornar cristãs. A elas também foi confiada a tarefa de instruir as candidatas ao batismo, sob a orientação dos bispos. Bem cedo, porém, essa possibilidade foi descartada: já Orígenes rejeitou a obra catequética das mulheres, e as Constituições Apostólicas (século IV) declaram solenemente: “Não permitimos que as mulheres ensinem na Igreja; elas podem apenas rezar e escutar o ensinamento de outros”.
A caridade das viúvas
As viúvas tiveram um papel importante na comunidade cristã nascente: a Igreja as organizou, atribuindo-lhes a tarefa da oração e das obras de caridade. Essas mulheres, que tinham superado os 60 anos de idade e que tinham sido casadas apenas uma vez, dispensavam obras de caridade no âmbito da comunidade cristã, suprindo as necessidades dos apóstolos e dos pregadores itinerantes e, segundo alguns estudiosos, constituíam uma espécie de contraparte feminina do presbiterado masculino.
Alguns textos as chamam de “mães da Igreja”, assimilando-as ao presbiterado feminino, mas, ao longo do tempo, o presbiterado masculino conotou-se cada vez mais como sacerdócio, e essas associações de viúvas foram “rebaixadas” a diaconato, destinadas a ajudar o bispo, subordinadas à autoridade do presbítero. Não constituíam mais um ministério paralelo, mas sim um ministério submetido ao presbiterado. Contribuiu para isso o fato de que, a partir dos séculos IV e V, a Igreja exaltou cada vez mais a virgindade, de modo que o diaconato das virgens tornou-se mais importante e mais apreciado do que o das viúvas.
Serviços litúrgicos menores
Como os diáconos, as diaconisas também se ocupavam de serviços litúrgicos menores, por exemplo, ajudavam as mulheres que queriam ser batizadas ou crismadas, levavam a Eucaristia aos doentes, faziam visitas em nome do bispo.
O fato importante, original, é que as Igrejas do Oriente previam a ordenação das diaconisas. Com a imposição das mãos, o bispo transferia sobre elas o Espírito Santo, impunha sobre elas a estola e as autorizava a tomar nas suas próprias mãos o cálice da Eucaristia.
Mas, com o progressivo desaparecimento do batismo dos adultos, desapareceram também as funções desempenhadas por essas mulheres, de modo que as diaconisas da comunidade tornaram-se diaconisas dos conventos, isto é, tornaram-se freiras. Dentro do convento, na Igreja do Oriente, a madre abadessa desempenhava as funções litúrgicas completas: lia e explicava a Sagrada Escritura, presidia e distribuía a Eucaristia. Quando essa prática difundiu-se em alguns conventos do Ocidente, foi criticada por diversos sínodos e foi praticamente apagada. Parece que em algumas Igrejas ortodoxas que não compartilharam o dogma de Calcedônia, incluindo a Igreja Copta do Egito, essa prática ainda está em vigor.
A marginalização da mulher

Como se vê, em todos esses âmbitos, verifica-se a progressiva marginalização da mulher das funções ministeriais. Mas por que isso acontece?
As principais razões me parecem ser duas. A primeira é que, na Igreja antiga, a mulher era particularmente apreciada nos chamados “movimentos heréticos” e, especialmente, entre os seguidores do gnosticismo (em algumas escolas gnósticas, a mulher podia até presidir a Eucaristia) e do montanismo, em que a mulher tinha o direito de falar e de profetizar.
A Grande Igreja, que se propunha a combater as heresias gnóstica e montanista, que reconheciam à mulher um papel importante, devia necessariamente marginalizar a mulher, justamente porque o gnosticismo e o montanismo a valorizavam.
A segunda razão é o peso de algumas tradições que remontam em parte à Bíblia, em parte à cultura greco-romana, em parte à filosofia, que desprezavam a mulher, considerando-a espiritual e moralmente inferior ao homem, não idônea para revestir qualquer responsabilidade ou ministério de tipo eclesiástico.
Existem alguns livros bíblicos têm reiteraram essa visão negativa da mulher: nos Provérbios, há muitas páginas sobre a mulher vista como perigo para o homem: a mulher é aquela que seduz, que enfeitiça, que desvia do caminho; no Sirácides [Eclesiástico], livro deuterocanônico, mas lido amplamente, por estar incluído na tradução dos Setenta, a mulher é apresentada como perigo: “Quem sabe resistir aos seus agrados sedutores? Quem sabe resistir ao fascínio das mulheres?”.
O tabu da sexualidade
Essa visão negativa da mulher foi ainda mais reforçada na consciência cristã comum por antigos tabus judeus e pagãos, que viam toda a esfera da sexualidade como algo sujo e pecaminoso, e a mulher, como aquela que encarna a sexualidade.
Nesse quadro, de um lado, emerge a exaltação da virgindade como renúncia à sexualidade; de outro, esses tabus são descarregados sobre a mulher, até definir o matrimônio como “remedium concupiscentiae”, isto é, remédio para a luxúria.
Foram os grandes padres da Igreja que alimentaram essa sexofobia. Começando por Agostinho de Hipona, segundo o qual o pecado original corresponde, de fato, ao pecado sexual. A bela maçã nada mais é do que a mulher. Não só isso: o pecado original se transmitiria de geração em geração através da procriação. O ato sexual que permite a procriação também é ato pecaminoso, pois transmite o pecado original.
Mas há mais. Qual é a culpa da mulher? Ser um polo de atração para o homem. Como a mulher que o homem deseja é bela, a culpa da mulher é de ser bela. Todas as mulheres são belas porque todas são desejadas por alguém. Então, as mulheres têm a própria culpa de serem mulheres, ou seja, de serem atraentes, de despertar o desejo, não só do homem, mas até dos anjos.
Na famosa passagem contada pelo Gênesis (capítulo 6), os filhos de Deus, isto é, os anjos, veem as mulheres e descem à terra para as desposarem. Então, Tertuliano comenta: “Um rosto tão perigoso como o da mulher, que pôde semear ocasiões de queda até no céu, deve ser ofuscado. Por isso, esse rosto, quando está diante de Deus, na presença do qual é culpado pela expulsão dos anjos (não foram os anjos que pecaram, é a mulher que os provocou, a culpa é sempre dela), se envergonhe diante dos outros anjos e reprima aquela liberdade que se demonstrou fatal, que ela concedia à sua cabeça (ou seja, à cabeça descoberta), e não o mostre mais, nem mesmo aos olhos dos homens”. Eis de onde vem o véu, mesmo o dos islâmicos.
A inferioridade moral e religiosa da mulher
Tertuliano introduziu no cristianismo a ideia da inferioridade religiosa e moral da mulher e abriu caminho para uma hostilidade de inspiração ascética contra as mulheres, que fez escola com a difusão do monaquismo.
Resumo esse tema com uma anedota terrível. É uma lenda, mas uma lenda que diz muitas verdades. Um certo Tiago de Nisídia, um dia, passava ao lado de uma fonte onde havia moças que estavam lavando roupas. Essas moças, vendo o asceta passar, ousaram levantar os olhos para ele, sem cobrirem o rosto e sem abaixarem as suas saias, que tinham levantado um pouco, talvez até o tornozelo, para lavar as roupas. Então, Tiago amaldiçoou a fonte e as moças: a fonte secou imediatamente e as moças – pensem na crueldade – foram transformadas em velhas decrépitas.
Outra grande teólogo da história ocidental, Anselmo de Aosta, grande defensor do celibato dos padres, chamou a mulher de “dulce malum, mors animae – doce mal, morte da alma”. A mulher é um perigo para o homem porque o mantém ligado à terra; portanto, aquele que aspira à santidade deve evitar até mesmo a conversa com as mulheres. Se quiser ser vencedor, deve permanecer longe delas.
Segundo Tomás de Aquino, “o homem é princípio e fim da mulher, como Deus é princípio e fim de toda a criação”; portanto, a mulher existe em função do homem. O seu único fim é a procriação. Quando o nascituro é uma mulher, Tomás diz que nasce “aliquid deficiens et occasionatum”, algo deficiente e casual. A inferioridade da mulher determina a sua subordinação ao homem.
A exaltação da mulher ideal
E chegamos à Idade Média. Na Idade Média, ao desprezo da mulher real, corresponde a exaltação da mulher ideal: um exemplo é a Beatriz de Dante, mas especialmente Nossa Senhora em todas as várias manifestações e expressões. A mulher é negada na terra e exaltada no céu.
Como criatura celeste, objeto de tantos poemas e de tanta religiosidade, é privada de toda conotação sexual: a exaltação da virgindade alcance o seu ápice, o matrimônio é bom, mas a virgindade é melhor, como o céu é melhor do que a terra.
Desse quadro que reprime e nega toda expressão da sexualidade, deriva um eros metafísico, uma mística erótica abundantemente testemunhada na literatura. A mulher glorificada, amado espasmodicamente, invocada, é estranha a qualquer conotação sexual, razão pela qual o eros que pode expressar é um eros místico, em que se dissolve o impulso de libido sexual presente em todo ser humano.
Em conclusão, a mulher não só é marginalizada da Igreja, mas também da terra; é levada ao céu, o mais distante possível, de modo a torná-la totalmente inócua. Não pode mais seduzir os homens nem os anjos, porque não é mais mulher.
Uma reforma incompleta
A Reforma: um novo cristianismo
A Reforma Protestante, que ocorreu no século XVI, é um fenômeno ainda sob exame. Globalmente, para a Igreja Católica, a Reforma foi considerada uma desventura, porque foi atribuída a ela a responsabilidade da divisão da Igreja do Ocidente – enquanto nós pensamos que foi a recusa da Reforma que provocou essa divisão. Mas o problema não é tanto o de atribuir ou de distribuir as responsabilidades da divisão da Igreja do Ocidente, mas sim de entender o que foi a Reforma.
Pessoalmente, acho que o termo “reforma” é totalmente insuficiente para expressar aquele movimento nascido no século XVI e que se espalhou por toda a Europa, que dividiu a consciência cristã europeia em duas, porque deu origem ao nascimento de um novo modo de ser cristão.
O protestantismo não é simplesmente um catolicismo reformado, é algo diferente e completamente novo. Adoto de bom grado uma categoria que Leonardo Boff aplicou às comunidades de base latino-americanas: a categoria de “eclesiogênese”. Segundo o teólogo da libertação, com as comunidades de base sul-americanas, nasceu um novo modelo de Igreja, um novo tipo de comunidade cristã. Pois bem, eu acredito que essa noção também é apropriada para descrever o que foi a Reforma.
A intenção original certamente era a de reformar a Igreja tradicional: há documentos absolutamente indiscutíveis a esse respeito. O monge Lutero nem falava de reforma, ele dizia: “Eu não sou um reformador, o único reformador da Igreja é Jesus Cristo“. Portanto, para ele, a categoria de reforma também era excessiva, ele se contentava em melhorar a condição do cristianismo do seu tempo.
Se o projeto original efetivamente era uma coisa muito modesta, ao não ter sido acolhido, deu origem a algo diferente do que queria ser no início. Tornou-se uma nova forma de Igreja, seja na organização interna, seja na compreensão da relação com Deus, seja na compreensão da relação com a sociedade e com a história.
Teoricamente, a Reforma Protestante poderia ter modificado substancialmente o lugar da mulher na Igreja, mas, praticamente, isso aconteceu só em parte. Por que, teoricamente, a Reforma poderia ter modificado substancialmente a posição da mulher na Igreja? Os motivos são quatro.
1. A exaltação do matrimônio
Na Idade Média, a virgindade, a castidade, o celibato eram considerados condições moral e espiritualmente superiores àquelas de quem praticava a sexualidade, mesmo no matrimônio. A Reforma reverteu esse juízo, reabilitando o matrimônio, pondo-o acima de qualquer outra condição humana. Naturalmente, reabilitar o matrimônio também significava reabilitar a mulher, não mais virgem, mas casada.

Nenhum teólogo antes de Lutero havia exaltado tanto o matrimônio, mesmo que ele tenha se casado tarde. Na realidade, ele não queria se casar, mas os seus amigos começaram a lhe dizer: “Você fala tanto em favor do matrimônio, mas não se casa, você está em contradição consigo mesmo”. Assim, no fim, ele se casou com Catarina.
Mesmo sendo agostiniano, Lutero dizia que o matrimônio não é “remedium concupiscentiae”, mas sim uma obra e um ordenamento de Deus: aos olhos de Deus, não há nenhuma condição mais alta do que a conjugal. A condição conjugal é superior à do príncipe, à do bispo, a qualquer outra condição humana.
Deus ama o casal mais do que o homem individual, porque Ele criou o casal, não o homem individual. E o homem não realiza plenamente a sua humanidade sem a mulher, assim como a mulher não realiza plenamente a sua humanidade sem o homem. Isto é, apenas no casal, a humanidade se realiza plenamente: onde “casal” não significa necessariamente marido-mulher, mas humanidade masculina-humanidade feminina. Todo ser humano é apenas uma parte de humanidade; nem o homem nem a mulher sozinhos podem realizar a plenitude do humano. Esse é o conceito, muito belo, muito profundo, muito moderno.
Na medida em que o matrimônio é valorizado, também é valorizada a mulher, que não é mais vista como perigo, ameaça, tentação, vínculo terrestre que impede o homem de se elevar ao céu. A mulher não é mais um mal necessário – mal por ser mulher, necessário porque a procriação é indispensável para a preservação da vida. A mulher é um bem, uma bênção de Deus, uma criatura de Deus, não um obstáculo para a salvação.
No entanto, a mulher continua subordinada ao homem. Apesar desse máximo elogio do casal matrimonial, a mulher ainda está submetida ao homem, nas várias modalidades em que isso pode acontecer. A mulher casada é valorizada ao máximo, mas não emancipado da submissão ao homem.
2. Não mais conventos, mas escolas
A Reforma suprimiu todos os conventos, transformando-os em escolas públicas para meninos e meninas. Ao fazer isso, pôs em liberdade, se quisermos usar essa expressão, um grande número de freiras. Essa liberdade nem sempre foi bem-vinda, porque sair de um convento fechado de autoridade era uma imposição que deixava muitas moças em dificuldade.
De fato, o convento era também um lugar de relativa autonomia da mulher, um lugar em que ela estava isenta da dominação masculina, do pai ou do marido e, portanto, de uma certa subserviência. A supressão dos mosteiros, sobretudo femininos, nem sempre foi acompanhada por gritos de júbilo por parte das mulheres, que, em muitas circunstâncias, teriam preferido ficar onde estavam.
A razão última da supressão dos conventos, no entanto, não era a de libertar as mulheres ou os homens da sua condição de monges ou de freiras, mas era a consequência de uma visão do cristianismo própria da Reforma: ou seja, existe uma única condição cristã comum a todos. E cada um deve viver na cidade, na comunidade, no mundo, e não em um lugar protegido e apartado como o convento, que assegurava, de algum modo, proteção e garantias.
3. A crítica do celibato obrigatório
A terceira razão é a crítica à lei do celibato e da condição de virgindade. Naturalmente, não é o celibato em si que é criticado, mas a imposição ao ministro de ser célibe. Essa imposição é criticada no sentido de que o celibato, mesmo na Sagrada Escritura (cf. Carta aos Coríntios), é previsto como uma possibilidade, mas uma possibilidade livre.
A outra ideia que leva a Reforma nessa direção é a luta contra a ideia do “mérito”, ou seja, a ideia segundo a qual a condição de celibato ou de virgindade é merecedora de uma graça e de uma posição particular em relação a Deus. A ideia do mérito é uma das grandes ideias combatidas pela Reforma Protestante para afirmar a completa gratuidade da graça e da salvação.
4. O sacerdócio universal
O quarto motivo pelo qual a Reforma poderia ter modificado a condição da mulher é a afirmação do sacerdócio universal dos crentes, segundo a qual todos os batizados são sacerdotes. Essa afirmação de Lutero, de difícil realização, foi uma das bandeiras da Reforma.
Todo batizado, diz Lutero, é sacerdote, bispo e papa. Isto é, o batismo fornece a cada cristão a base teológica e espiritual de toda a ministerialidade da Igreja: o batizado, como tal, está credenciado e habilitado a exercer qualquer ministério na Igreja.
Sobre esse ponto, no entanto, a Reforma não foi fiel a si mesma, porque a mulher sempre foi batizada em todas as Igrejas, portanto, potencialmente é ministra, mas, de fato, em nenhuma Igreja da Reforma a mulher ocupou uma posição de ministro, nem em nível pastoral, nem em nível diaconal, nem em nível litúrgico, nem em nível catequético. É uma grande contradição que a Reforma não foi capaz de superar. A ministerialidade permaneceu firmemente nas mãos dos homens.
Mulheres mártires e pregadoras
Enquanto isso, em posições marginais, nasceram duas figuras femininas que ocuparam um certo papel na história das Igrejas evangélicas.
A primeira é a mulher mártir, porque as guerras religiosas com as perseguições causaram muitos mártires da fé evangélica. Há um livro sobre a história dos mártires da fé evangélica que conta 664 mártires, dos quais 56 são mulheres (cerca de 10%).
Nesses relatos, reemerge uma característica tradicional do martírio feminino na Igreja primitiva, isto é, a ideia das núpcias com Cristo seladas pelo martírio. O livro do Apocalipse fala das núpcias do Cordeiro, referidas à Igreja, em particular à Igreja perseguida e mártir: essa representação do martírio como momento de máxima comunhão com o Senhor está presente nos relatos de algumas dessas mulheres mártires.
A segunda figura de mulher que aparece sobretudo nos momentos de crise é a mulher que prega, a mulher pregadora. Por exemplo, em 1685 na França, foi revogado o Édito de Nantes, que havia permitido que o protestantismo francês sobrevivesse.
Na sequência dessa revogação por parte de Luís XIV, o protestantismo francês foi objeto de uma grande perseguição, e todos os pastores foram exilados ou encarcerados. Diversas testemunhas afirmam que, na ausência de pastores pregadores, um certo número de mulheres começaram a pregar. Muitas dessas mulheres eram jovens e simples moças que as circunstâncias tinham tornado capazes de profetizar.
As esposas dos pastores
Há uma terceira figura que se encaixa nesse quadro, a esposa do pastor. O pastor, o padre casado, no Ocidente, era uma figura completamente nova, e as esposas dos pastores desempenharam um papel pouco conhecido, pouco descrito, em grande parte ignorado, mas realmente vivido.
Muitas vezes, as mulheres foram reconhecidas de fato (não juridicamente) pela comunidade como um segundo pastor e desempenharam papéis de grandíssimo valor e significado. Anteciparam o pastorado feminino, exceto para a pregação.
O papel de pregadoras foi desempenhado pelas mulheres na Alemanha nazista, porque a Alemanha nazista perseguiu uma parte da Igreja Evangélica (a que é chamada de Igreja Confessante), e muitos pastores foram internados nos campos de concentração ou presos. As suas esposas, então, os substituíram na pregação do púlpito. É um fato pouco conhecido, mas extremamente significativo.
Como se vê, sempre se trata de emergências, de situações excepcionais: em situações normais, as mulheres ainda eram excluídas do ministério.
Mundo católico: as mulheres se defendem
No mundo católico, com a Contrarreforma, desaparece a característica que o monaquismo tivera na época antiga e medieval, ou seja, a subdivisão das ordens em masculinas e femininas, na observância da mesma regra.

De Bento de Núrsia a Francisco e Clara, tinha sido assim. A esse respeito, deve-se dizer que Francisco e o franciscanismo inovaram profundamente a tradição monástica, mas não criaram nada de realmente novo em relação às mulheres, tanto que as clarissas continuaram observando a clausura tradicional.
Com a Contrarreforma, foram fundadas muitas novas ordens, mas desapareceu o modelo bipolar que caracterizara o monaquismo antigo e medieval. Nesse sentido, vale o clássico exemplo dos jesuítas: não existem “as jesuítas”. Pode-se bem entender o significado, muito profundo, dessa falta, que significa que o homem subsiste por si só, sem a necessidade de ter a mulher do lado. É um modo radicalmente diferente de conceber a própria humanidade.
Esse fenômeno permanece até o século XX, quando retorna a bipolaridade masculino-feminino: por exemplo, Charles de Foucauld é precursor dos irmãozinhos e das irmãzinhas.
O segundo fenômeno que se registra no mundo católico é um extraordinário florescimento de ordens e institutos religiosos femininos. Um fato incrível, excepcional. Evidentemente, essa multiplicação também foi um modo para se isentar da dominação masculina.
Mundo protestante: espaços minoritários
No mundo protestante moderno, assinalarei três fenômenos importantes. O primeiro se verifica em alguns grupos marginais do protestantismo, nascidos ao lado das grandes Igrejas reformadas luteranas norte-americanas.
Neles, a mulher recupera o direito de falar em público e de pregar. A primeira comunidade que deu a palavra às mulheres na assembleia foram os quakers, a chamada “Sociedade dos Amigos”, em cujo âmbito a mulher pode tomar a palavra, rezar, anunciar, pregar.
O segundo fato, bastante singular, é o nascimento, em âmbito protestante, no século XIX, do diaconato feminino: são criadas as chamadas diaconisas, que são a contrapartida protestante das freiras católicas.
Elas têm o seu próprio vestido, fazem os votos de castidade, de vida comum, de obediência, de serviço e de pobreza, e desempenham um papel fundamental nos hospitais e em todas as atividades de caridade.
Essa instituição, hoje, está em declínio, e não acho que vai sobreviver por muito tempo, mas desempenhou um papel muito relevante na história do protestantismo.

Por fim, no século XX, realiza-se o pastorado feminino, isto é, a atribuição à mulher do principal ministério próprio das Igrejas protestantes.
Do pastorado feminino, também se passou para o episcopado, seja nas Igrejas luteranas, seja na Igreja Anglicana. Embora esse fenômeno tenha provocado profundas dilacerações, sobretudo no anglicanismo, continua sendo um fato já adquirido, do qual dificilmente se poderá voltar atrás.
Na prática, foi alcançada a equiparação da mulher ao homem no acesso a qualquer ministério dentro da Igreja. Deve-se especificar que não se trata de uma aquisição geral em todo o protestantismo, ao contrário, há Igrejas de tipo fundamentalista que não reconhecem o pastorado feminino e o combatem em seu interior.
Na aurora de uma história nova
Essa é a história que temos às nossas costas. Eu diria que a pré-história acabou: toda a história da marginalização da mulher, a história que, de um modo ou de outro, submete a mulher ao homem, privando-a das possibilidades que pertencem ao humano, além de, obviamente, ao cristão, se encaixa na pré-história.
Hoje, estamos na aurora de uma história que ainda deve ser escrita. Considero bastante dramático que o acesso da mulher à ministerialidade ainda seja largamente minoritária no cristianismo. Toda a ortodoxia é contrária, quase todo o catolicismo é contrário, e uma parte do protestantismo, o de tipo fundamentalista, é contrário.
A pré-história, infelizmente, ainda não está concluída. No entanto, acredito que, objetivamente, ela está às nossas costas, e, justamente porque estamos na aurora de tempos novos, será preciso repensar, refletir, meditar novamente sobre a relação homem-mulher, que deverá ser revivida em profundidade.
Talvez, o grande problema – se quisermos chamá-lo de problema – seja como conseguir manter a diferença homem-mulher sem cair na desigualdade. Porque, se a desigualdade foi um crime contra a humanidade, a perda da diferença também seria uma diminuição da humanidade.
Portanto, nada é fácil, mas é bonito se aventurar nessa redescoberta de nós mesmos, começando pelo fato de que Deus criou o casal, isto é, que, na humanidade, antes da diferença sexual, há a alteridade: o outro humano.
O aspecto fundamental é reconhecer que você não é você mesmo sozinho, mas sempre com o outro que Deus criou junto com você. Com base nessa pertença comum ao humano, acredito que a compreensão do valor das diferenças será um bem e uma evolução para todos.

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