Especialista
em políticas públicas educacionais, Carlos Roberto Jamil Cury destaca os
desafios que se abrem com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) e as
oportunidades de melhorias que ele traz consigo
Com
três anos de atraso, o Congresso aprovou, em junho passado, a versão definitiva
do Plano Nacional de Educação (PNE). São 20 metas que devem ser cumpridas pelo
governo federal, estados e municípios nos próximos 10 anos, contados a partir da
sanção da lei pela presidenta Dilma Rousseff. Nesta entrevista, Carlos Roberto
Jamil Cury, especialista em políticas públicas educacionais, analisa os
desafios do plano e seu potencial para mudar a educação brasileira. Cury é
professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e, entre outros cargos, ocupou, ao longo de sua carreira, a Presidência
do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes).
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Em
suas palavras, o PNE representa a oportunidade de ouro para avançar na
quantidade e na qualidade da educação, especialmente porque, dessa vez, foi
incluída uma meta de financiamento – elemento fundamental que ficou de fora do
primeiro PNE e inviabilizou sua implementação. Apesar dos avanços, a execução
da Lei depende de muitos fatores, entre eles da concretização de um Sistema
Nacional de Educação, que articule estados e municípios e o Distrito Federal em
"favor das finalidades maiores da educação”.
Analisando de maneira geral, o que o
governo, os partidos e os movimentos da sociedade civil demonstraram ao longo
desses três anos de negociações em torno do PNE? Qual a sua análise sobre esse
processo?
Durante
o tempo de tramitação do projeto, houve inúmeras audiências públicas na
Comissão de Educação da Câmara e mesmo do Senado. Foram convidadas organizações
da sociedade civil, como o Todos pela Educação, a Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, associações profissionais e científicas, além de
representantes governamentais, a exemplo do Ministério da Educação (MEC), o
Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Havia um razoável consenso quanto à
maioria das metas e das estratégias. Os pontos de conflito foram: os 10% do
PIB; se se adicionaria ou não o adjetivo ‘pública’ após o substantivo
‘educação’; se o enunciado seria só os professores ou os professores e as professoras
e, finalmente, o modo de inclusão do enunciado no Plano do Custo-Aluno-Qualidade,
que consta da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). A delonga na aprovação do PNE
também evidenciou a dificuldade de passar à ação e à efetividade a sempre
proclamada (e adiada) prioridade da educação. Ficamos três anos sem metas
oficiais para a educação.
O que o PNE recém-aprovado traz de novo em
comparação com a proposta anterior? E qual o legado do primeiro PNE?
A
grande novidade é a assinalação de recursos para o devido investimento. Que
sejam os 7% do PIB para o primeiro quinquênio, sejam os 10% na chegada do ano
2022 (bicentenário da Independência), dessa vez não se poderá dizer que haverá
veto ao financiamento. O importante é que o investimento seja feito com rigor,
com racionalização e com destinação legal. O legado do primeiro PNE foi o de
ter registrado metas a partir de uma radiografia consistente. As metas, no
entanto, ficaram muito mais como referências do que algo a ser atingido. Mas o
que ficou de negativo no anterior foi a consciência aguda de que sem
financiamento não há plano porque as metas não se sustentam.
Quais são as perspectivas que se abriram com
a promessa de que, em até 10 anos, 10% do PIB, no mínimo, será aplicado na
educação?
É
preciso notar que, no primeiro quinquênio, o investimento deverá chegar aos 7%
do PIB. Já o de 10% é ao final do segundo quinquênio. Não pense que é pouco
dinheiro. Contudo, sem um controle civil desses recursos, como o exercido pelos
Conselhos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), sem um controle dos órgãos
existentes para tal, como os Tribunais de Contas, ou as metas não se atingem ou
elas ficarão parcialmente comprometidas. Como o investimento é de grande porte,
será possível ampliar significativamente o acesso a todas as etapas
obrigatórias (de quatro a 17 anos) e se pensar nos flancos abertos da formação
inicial dos docentes, na formação continuada, na melhoria salarial dentro de
uma carreira e, então, na avaliação de desempenho. Em outros termos: é a
oportunidade de ouro para avançar na quantidade e na qualidade.
Entre as metas do PNE estão a erradicação
do analfabetismo e 25% de oferta de ensino integral. É possível cumprir metas
ambiciosas como estas em uma década?
De
fato, são metas ambiciosas. Mas quem não sonha com catedral, não constrói
igreja. Elas são urgentes e necessárias. É preciso, entrementes, que o regime
de colaboração, agora à luz do Sistema Nacional de Educação – cujo perfil operatório
é de fundamental importância –, entre em ação. Vale dizer, é preciso que os
governos todos se empenhem, no regime federativo, em uma mesa de negociação
para que a gestão não se disperse e nem os recursos se percam.
O governo federal conseguiu evitar que
fossem retirados da base de cálculo os recursos aplicados em entidades
filantrópicas e programas de expansão do ensino, como o Fies [Programa de
Financiamento do Ensino Superior], e o ProUni [Programa Universidade para
Todos]. O relator do PNE disse que esses valores são insignificantes se
comparados ao que será investido em educação pública. Você está de acordo?
Esses
recursos, amanhã, poderão fazer falta. Trata-se de uma possibilidade. Ocorre
que há um dispositivo constitucional, o artigo 213, que faculta essa
possibilidade, reiterada na LDB. Por sua vez, o PNE é uma lei ordinária. Então
o dispositivo está valendo. Será preciso regulamentar essa franquia, com as
devidas condicionalidades, e, por outro lado, ampliar a face pública do Estado
tanto na oferta da educação profissional quanto no ensino superior. O único
programa que entendo fora desse cômputo, dentro do parâmetro legal, é o Fies.
Trata-se de um contrato entre o indivíduo e um banco. E, embora o banco possa
ser estatal, o Fies depende de uma ação voluntária do sujeito em contratar tal
financiamento.
O PNE não explicita qual deve ser o
incremento financeiro que cabe à União e aos entes subnacionais para chegar aos
10% do PIB. Como então a sociedade poderá cobrar o cumprimento dessa meta?
Esse,
talvez, seja o mais difícil dispositivo na forma de sua montagem e operação.
Para tanto, será preciso aprovar uma lei complementar, como previsto no
parágrafo único do art. 23 da Constituição. Sem a aprovação dessa lei
complementar, o caminho será complicado e o Sistema Nacional de Educação não
fechará. Para mim, é o artigo-chave dos recursos referidos ao PIB e o que
possibilitaria a criação de um fundo de caráter nacional que, mediante uma
radiografia minuciosa, seja redistribuído de forma a reduzir as disparidades
regionais.
Qual seria a diferença entre esse fundo e o
Fundeb?
O
atual Fundeb é constituído por 27 fundos estaduais, sendo que, em alguns
estados, há complementação da União. Um Fundo Nacional a ser dirigido pela
União e assessorado por mesa interfederativa permitirá a redução de
disparidades hoje existentes, seja nas transferências obrigatórias, seja nas
voluntárias. Ou seja, um fundo nacional pode ser mais justo por ser equitativo.
Qual sua avaliação sobre a inclusão de
metas para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa)?
Não
acho que indicadores de avaliações nacionais ou internacionais devam compor o
Plano. Uma lei tem um sentido permanente e essas avaliações são mutáveis. Esses
indicadores são termômetros de uma situação. Logo, evidenciam coisas que não
vão bem, mas tomá-los como referência principal pode ocultar outras coisas
importantes. Certamente que tais avaliações hão de continuar. Mas elas devem
cooperar com o Plano, porém de maneira auxiliar.
Não estão previstas medidas contra os
gestores que descumprirem as metas. Isso coloca o PNE em risco?
Hoje,
já temos medidas suficientes previstas em vários dispositivos, é preciso
aplicá-las. A meu ver, seria importante uma espécie de código que reunisse em
um só lugar todos os dispositivos. Um ponto, geralmente esquecido, apesar de
constante em lei, é a obrigatoriedade de ouvidorias para que o cidadão tenha um
canal direto com os gestores. A reunião de tais normas em uma Lei de Responsabilidade
Educacional poderá explicitar, clarificar e até aperfeiçoar as mesmas normas.
Revista Educação
Criada em maio de 1997, a revistaEducação, é uma publicação daEditora Segmentodirecionada a profissionais da área educacional de ensino básico, tanto da rede pública quanto da particular.
http://revistaeducacao.uol.com.br/
FONTE: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=81537
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