O “efeito Francisco”, ao mesmo tempo em que injeta um novo entusiasmo dentro da Igreja, está transformando notavelmente a sua imagem pública em lugares improváveis.
Publicamos aqui o editorial da revista britânica católica The Tablet, 21-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A palavra “viral” pode não estar no dicionário teológico comum, mas talvez ela deveria estar. Ela representa o fato de que há um novo palco em que a mensagem do evangelho do amor incondicional de Deus está sendo encenada: o da mídia social. O abraço amoroso do Papa Francisco dado a um homem com deformações extremas no rosto e no corpo se tornou viral quase que instantaneamente, o que significa que foi reproduzido como uma imagem com uma mensagem milhões de vezes em todo o mundo.
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E essa não foi a primeira vez em que o Papa Francisco forneceu material vivo aos meios de comunicação social: ele parece compreender o meio. No novo mundo do Twitter, YouTube e Facebook, o meio é de fato a mensagem, assim como o guru canadense da mídia, Marshall McLuhan, ele próprio um convertido ao catolicismo, profetizou.
Enquanto as imagens do mais recente ato simbólico do Papa Francisco estavam sendo multiplicadas exponencialmente, um tom mais negativo estava sendo infligido pelo ex-arcebispo de Canterbury, Lord Carey. O cristianismo, advertiu ele, pode se extinguir na Grã-Bretanha em apenas mais uma geração. Ele estava lamentando, principalmente, o destino da Igreja da Inglaterra [anglicana], onde as congregações já envelhecidas sugerem que os reforços habituais, como quando uma geração passa a tocha para a próxima, já não estão esperando sua vez. Esse problema é ainda mais preocupante para as Igrejas livres.
As perspectivas demográficas da Igreja Católica na Grã-Bretanha são mais otimistas, como a pesquisa da professora universitária Linda Woodhead, publicada na edição da The Tablet da semana passada, parece indicar, embora a imigração tenha sido um fator significativo. Ao mesmo tempo, o catolicismo está provando ser mais adaptável, e a adaptação é a chave para a sobrevivência.
O “efeito Francisco“, ao mesmo tempo em que injeta um novo entusiasmo dentro da Igreja, está transformando notavelmente a sua imagem pública em lugares improváveis – os “ateus pró-Francisco” parecem estar emergindo como o mais recente “Novo Ateísmo”. O que a lamúria de Lord Carey representa é a verdade nem tão sutil de que a Igreja da Inglaterra precisa de um “efeito Francisco” próprio.
Por outro lado, alguns dos fatores que, na visão de Lord Carey, ameaçam a viabilidade da Igreja da Inglaterra também estão presentes na Igreja Católica. O protestantismo evangélico tende a tratar as Escrituras como regra de vida e não como uma fonte de inspiração para a vida cristã – o que pode ser a razão pela qual na Grã-Bretanha moderna, “religioso” é comumente considerado como sinônimo de “respeitável” ou mesmo “rigoroso”. O mesmo poderia ser dito de um determinado setor do catolicismo autoritário, que gostava de pensar em si mesmo como o único permitido até recentemente.
Nesse caso, são as proibições atuais do Magistério, em vez das censuras de São Paulo ou de Levítico que são usadas para vincular, mas ambas produzem um quadro interpretativo que é legalista e cerebral. Tratam-se de palavras na página, em vez de ações na tela. Em termos mais teológicos, elas não têm sacramentalidade. Nem dez mil palavras poderiam dizer o quanto a imagem do abraço do Papa Francisco a Vinicio Riva, o homem devastado pela neurofibromatose, fala sobre o amor de Deus pela humanidade. Esse é o Deus em quem as pessoas podem realmente querer acreditar.
A própria adaptabilidade pela qual o catolicismo parece estar passando nas bases – que as desconcertadas autoridades da Igreja correm o risco de interpretar como frouxidão ou rebelião – pode ser vista como um reordenamento necessário de prioridades, ao se afastar das regras sobre a destruição da alma para formas enfáticas de solidariedade. Essa mudança de paradigma é o que as pessoas comuns gostam no Papa Francisco.
Isso explica por que muitos leigos católicos sentem uma simpatia instintiva para com os homens e mulheres homossexuais nas dificuldades que enfrentam. Eles sentem o mesmo por aqueles cujos casamentos terminaram em doloroso divórcio e que estão reconstruindo suas vidas através de um novo casamento. Eles parecem estar dizendo que, se as regras estão no caminho da solidariedade que o Evangelho exige – para a qual a misericórdia pode ser um outro nome –, então as regras vêm em segundo lugar.
Vendo a Eucaristia como a expressão sacramental visível da solidariedade cristã por excelência, sente-se uma contradição insuportável em usá-la para expressar exclusão.
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