Dom Helder, como profeta, sempre pregou e
anunciou uma Igreja simples, longe de uma estrutura pesada, conforme o espírito
do Evangelho: “As raposas têm tocas, as aves do céu, ninhos; mas o Filho do
Homem não tem onde inclinar sua cabeça” (Mt 8, 22), voltada para os
empobrecidos, sem jamais se esquecer de seu ardente desejo, o de construir a
paz, associado ao grande sonho do Criador e Pai, pela força da ternura e da não
violência. Aos 27 de agosto de 1999, após completar noventa anos, vividos e bem
vividos, Dom Helder Câmara partiu para a casa do Pai. Obstinado, na sua luta,
fortificado pela graça de Deus, nos projetos e sonhos de um mundo solidário, por
onde passou, mesmo tendo que ir para o ostracismo, ficando no isolamento e sendo
excluído dos meios de comunicação social, durante o regime militar, que o via
como um risco e um perigo à democracia, permanecendo sempre determinado e
corajoso, sem jamais desanimar. Daí nossa ação graças ao bom Deus pelas marcas
indeléveis, deixadas pelo artífice e protagonista da paz.
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Como é importante recordar sua formação
sacerdotal, com o ingresso no Seminário da Prainha em 1923 – Fortaleza – CE,
então, confiado aos padres lazaristas. Nesta instituição cursou e concluiu os
estudos eclesiásticos, tendo sido ordenado sacerdote aos 15 de agosto de 1931,
com 22 anos de idade, recebendo autorização especial da Santa Sé, por não
possuir a idade canônica. Sem perder tempo, no mesmo ano fundou a Legião
Cearense do Trabalho; em 1933 fundou a Sindicalização Operária Feminina
Católica, que congregava as lavadeiras, passadeiras e empregadas domésticas;
atuou na área da educação, participando de políticas governamentais do estado do
Ceará, na área da educação pública; militou ativamente da Liga Eleitoral
Católica (LEC) e foi nomeado diretor do Departamento Estadual de Educação do
Estado do Ceará. Transferido em 1936 para a cidade do Rio de Janeiro, então
capital da república; na cidade maravilhosa não parou, além de dedicar-se
intensamente às atividades apostólicas, foi nomeado Diretor Técnico do Ensino da
Religião no Ministério da Educação.
No Rio de Janeiro bebeu água de uma fonte rica e
preciosa, me refiro aos préstimos do jesuíta Pe. Leonel Franca, como seu diretor
espiritual, criador da primeira Universidade Católica do Brasil – a Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Tudo concorreu, por vontade do bom
Deus, que se antecipasse, em ideias e atitudes concretas, na luta por justiça e
paz, querendo a “restauração de todas as coisas e Cristo” (cf. At 3, 21), a
partir do aggiornamento promovido pelo Papa João XXIII e com o qual iria
revolucionar, não apenas a Igreja, mas o nosso mundo hodierno – É o sonho de
esperança do Concílio Vaticano II! Pense numa vida espetacular, nos seus gestos
de falar com entusiasmo, frases e pensamentos, do mais íntimo do íntimo,
profundamente marcados pelo otimismo, ao afirmar: “Esperança é crer na aventura
do amor, jogar nos homens, pular no escuro, confiando em Deus”.
Jamais deixou de ter diante dos olhos e sonhava
ardentemente com uma Igreja despojada, pobre e servidora. Daí ser signatário do
“Pacto das Catacumbas”, de 16 de novembro de 1965, que foi uma excelente
oportunidade para os bispos pensarem e refletirem sobre eles mesmos, no sentido
de fazer uma experiência do amor de Deus, enriquecida de uma vida com marcas da
simplicidade e desapego dos bens deste mundo, numa Igreja encarnada na
realidade, comprometida com o povo, renunciando as aparências de riqueza,
dizendo não as vaidades, consciente da justiça e da caridade, através desse
documento desafiador. Repito o que alhures já disse inúmeras vezes: “Eu sou
daqueles que tem a convicção de que os escritos de Dom Helder ainda serão fonte
de inspiração na América Latina, daqui a mil anos. Ele lançou sementes
destinadas a produzir uma messe abundante nesta época do cristianismo que está
começando agora. Suas sucessivas conversões, sinalizando de certa maneira, a
futura trajetória da Igreja neste momento da história da humanidade” (Teólogo
José Comblin).
Concluo com as palavras daquele que disse:
“Gostaria de ser uma poça d’água para refletir o céu”; já o papa Paulo VI, seu
amigo de fé, o tinha como “um místico e apóstolo”. Sua vocação precoce ao
sacerdócio, mas segura e convicta, se manifestou aos oito anos de idade, nas
suas próprias palavras: “Não posso nem imaginar ser alguma coisa na vida além de
padre. Ser um padre, para mim, não é uma escolha. É um modo de vida. Ser padre
nunca me provocou arrependimento. Celibato, castidade, a ausência de uma família
do modo como os leigos a entendem – tudo isso nunca foi um peso. Há os que
nasceram para cantar, jogar futebol, escrever (…). E há os que nasceram para ser
padres”.
*Padre da Arquidiocese de Fortaleza, escritor,
colunista, blogueiro, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza,
da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente
da Previdência Sacerdotal – Pároco de Santo Afonso – geovanesaraiva@gmail.com
FONTE: ARQUIDIOCESE DE FORTALEZA
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