segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O desafio da espiritualidade laical


Teia marista 2014 (Small)

Espiritualidade diz a respeito do espírito. O Espírito Santo e o nosso “espírito”. Jesus prometeu que não ia nos deixar órfãos e que iria enviar o seu Espírito para que assim nos lembrássemos de tudo o que ele tinha ensinado e fossemos conduzidos no conhecimento da verdade (cf. Jo 14,18.26 e 16,13). Desde o dia de Pentecostes, segundo os Atos dos Apóstolos, o Espírito Santo anima a Igreja e a conduz nos caminhos da história. A vida espiritual para os cristãos não é outra vida, separada daquela cotidiana, nas situações e circunstâncias nas quais cada um se encontra, mas é viver a própria vida acolhendo a luz, a força e as inspirações do Espírito Santo. Ele age, misteriosamente e ao mesmo tempo, na vida das pessoas e da Igreja toda. Quantas vezes o Espírito nos surpreende com a experiência de situações no início incompreensíveis para nós, mas que, depois, se revelam como portas e caminhos novos que ele abre à nossa frente. Cabe a cada um de nós e a própria Igreja como um todo corresponder aos apelos do Espírito.
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Podemos dizer que “espiritualidade” é crescer na familiaridade com o Espírito Santo e encontrar o próprio caminho para produzir os frutos que ele nos pede: amor, alegria, paz… (cf. Gl 5,22). Por isso existem muitos caminhos de espiritualidade e, de certa forma, ninguém pode copiar de ninguém, porque algo de íntimo e pessoal existe entre cada um de nós e o Espírito Santo. Experimentamos isso na oração, na compreensão pessoal da palavra de Deus, nas decisões que tomamos no segredo da nossa consciência. Não é questão de gostos ou de temperamentos, é mesmo a gratuidade dos dons do Espirito dados a cada um com a variedade e a generosidade que só ele pode oferecer.
Sempre existiram grandes Santos e Santas que souberam corresponder de forma única e extraordinária aos dons do Espírito Santo e ensinaram a outros alguns dos “segredos” da vida espiritual, ao menos até onde é possível que ela seja partilhada. A maioria deles foram, ou são, pessoas consagradas, padres, religiosos ou religiosas. Por isso nos perguntamos se existe mesmo uma espiritualidade laical? É possível viver intensamente uma espiritualidade própria deste estado de vida, mergulhados nos afazeres humanos, nas coisas comuns a todos ou na correria das obrigações e das cobranças das próprias responsabilidades?
A resposta só pode ser positiva, de outra forma seria como dizer que para sermos santos e santas devemos todos sair do mundo, ir para o convento ou para ambientes reservados e protegidos. Estas são outras vocações. Ao leigo e à leiga é possível sim, sem sombra de dúvida, um caminho de espiritualidade intenso e eficaz, numa comunhão profunda com Deus. Deverá ser uma espiritualidade capaz de sustentar qualquer batizado e batizada que queira tomar a sério a sua vocação laical sem delegar as suas responsabilidades, sem adiar decisões e, sobretudo, sem desvalorizar a situação concreta da sua vida. Será uma espiritualidade própria e diferente. Para isso coloco três ambientes típicos, da vida laical vivida no mundo: a família, o trabalho e a convivência com quem cruzamos pelos caminhos da vida. Estou convencido de que cada pai, mãe, filho ou filha, reza pela sua família. Reza pela saúde de todos e para que não falte o necessário. Não importa se o pai é padrasto, a mãe madrasta, e os irmãos são meio-irmãos. Hoje as crianças e os adolescentes rezam as escondidas para que os seus pais não se separem. O equilíbrio nas relações e o afeto reciproco são decisivos para o crescimento harmonioso de cada pessoa. Talvez não existam famílias perfeitas, mas na grande maioria são tesouros preciosos cujo valor, infelizmente, aprendemos a reconhecer quando os perdemos. A espiritualidade familiar é feita de diálogo, paciência, silêncio e palavras certas, sem ferir, sem machucar. É feita de perdão, de correção fraterna, de tempo para brincar e escutar, de tempo para sonhar e chorar juntos. Onde tem amor, Deus ai está. Talvez seja necessário reconhecer e agradecer mais pela sua presença.
Quando falamos em trabalho pensamos logo nas profissões mais badaladas e remuneradas. Pensamos nos salários astronômicos e esquecemos os milhões de brasileiros que sobrevivem aos trancos e barrancos com o salário mínimo. Espiritualidade no trabalho significa em primeiro lugar competência e trabalho “bem feito”. Isso não significa necessariamente salários mais altos. Graças a Deus nem tudo pode ser reduzido a dinheiro. Boa acolhida, dedicação, satisfação, sorriso e gratidão não têm preço. Assim como honestidade, igual trato com todos, talvez com mais atenção aos pobres e humildes, não se improvisam. É preciso sempre aprender de novo a ver no outro não simplesmente um cliente ou um paciente, mas um irmão precisando de ajuda e talvez de esperança. Só com o evangelho no coração se superam as disputas e se exercem a gratuidade e a alegria de doar-se.
Por fim, os leigos e as leigas, encontram nos caminhos da vida pessoas de todo tipo e gênio. Vivem nos afazeres comuns a todos; por serem iguais aos demais podem conversar com todos, experimentam a variedade dos casos, escutam histórias alegres e tristes, partilham apreensões e incertezas, euforias e decepções, esperanças e desencantos. Não têm privilégios, não conhecem e não são reconhecidos, ficam na fila esperando a sua vez. É nesta vida simples e comum que aparecem muitas oportunidades de diálogo onde precisam sempre estar prontos “a dar a razão da própria esperança a todo aquele que o pedir…com mansidão e respeito e com boa consciência” (cf. 1 Pd 3,15-16). Somente quem tem Deus no coração pode escutar e falar com liberdade e atenção, sem preconceitos, sem julgar e condenar.
Tudo isso é espiritualidade, verdadeiro caminho de virtude e santidade.

Dom Pedro José Conti, bispo de Macapá

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