Sim à vida
Selvino Heck
Adital
Ele vinha tímido e silencioso participar das reuniões plenárias e da Mesa Coordenadora da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), criada pela presidenta Dilma Rousseff em agosto de 2012. Diz a nota da Rede Sustentabilidade: "Jorg Zimmermann: um dos pioneiros do sócioambientalismo no Brasil. Nosso querido Jorg se foi. O mundo fica um pouco mais triste, menos interessante. Jorg Zimmermann, engenheiro agrônomo, mestre em desenvolvimento rural, começou sua vida profissional na EMATER na Amazônia e foi, por toda sua vida, um apaixonado pela região e por sua gente – agricultores familiares e povos da floresta. Ele também foi um dos pioneiros da discussão da agroecologia no Brasil. Sua vida foi dedicada a criar condições políticas e práticas para que agricultores familiares e extrativistas de todo o Brasil possam ter acesso à terra e a condições de trabalho e produção com sustentatibilidade.”
LEIA MAIS:
Ele, segundo todos os que têm contato direto, sempre foi um tímido. Para o compositor e cantor cubano Pablo Milanés, Chico era um homem muito nervoso durante as apresentações. "Tenho a impressão de que ele compõe e escreve de forma mais serena do que canta.” Chico Buarque, mesmo tímido e reservado, embalou a todas e todos nos anos 1960, 1970, 1980. Sabíamos/sabemos de cor e cantávamos/cantamos suas músicas contra a ditadura, suas canções de amor, seus hinos de protesto, seus sambas.
Jorg faleceu à beira dos 70. Chico está fazendo 70.
Escrevi, ao dar a notícia do falecimento aos membros da CNAPO: "Aprendi com ele a simplicidade, a delicadeza, a firmeza de posições e opiniões, a sabedoria, a capacidade de reflexão, a doação à causa. Deixará marcas, com certeza, e saudade, muita saudade. Sua causa é a nossa causa.” E sobre minhas palavras no velório, em nome da CNAPO, cercados pela família – Neuza, Marina, Andrea, Fábio -, amigas/os e companheiras/os dos movimentos sociais e ambientalistas e do governo federal: "Ouvi boas e belas histórias de e sobre o Jorg. Uma das filhas declamou O Estatuto do Homem, do Thiago de Mello, um dos poemas de que mais gostava. Soube das histórias dele em Roraima, na Amazônia e outros tantos lugares. Soube do seu amor pelos bichos. Soube da cerveja que o amigo Vicente Puhl ia fazer com o trigo que o Jorg estava plantando. Falei das virtudes do Jorg: companheirismo, simplicidade, compromisso. E disse que vamos continuar sua história. Terminei assim: Viva Jorg! Jorg Vive!”
Muitos e muitas têm nos deixado ultimamente, fazendo história, alguns antes do tempo. Outros tantos e tantas seguem fazendo história. Ambos, vivos ou na transcendência, seguirão fazendo história, na memória, como Jorg, ou jogando futebol como Chico aos setenta.
Chico sempre foi referência de vida, de pensamento libertário, de apoio às boas causas, de pensar o Brasil. Não são apenas seus belos verdes que enfeitiçam meninas e mulheres. São seus versos em Pedro Pedreiro, Atrás da Porta, Trocando e Miúdos, Olhos nos Olhos, suas canções na voz de Nara Leão, Elis, Bethânia, Pablo Milanés, Milton, Mercedes Sosa.
Como não lembrar de Apesar de Você, de Roda Viva, de Cálice, de Construção, de O que será, de Samba de Orly? E não lembrar a pungência de Morte e Vida Severina, os versos de João Cabral de Mello Neto e o Funeral do Lavrador? Ou não chorar com os amores perdidos, achados e engajados de Valsinha, de Rita, de Mulheres de Atenas, de Tanto Amar, de Gente Humilde, de A Banda, de Não existe Pecado no Lado de Baixo do Equador? E do pseudônimo Julinho da Adelaide, para driblar a censura? De sua versão de Yolanda de Pablo Milanés?
Se olharmos para trás, ou se olharmos para nossa vida, o que mais interessa? A coerência e o sentimento do mundo. Como Jorg e Chico: coerência e sentimento do mundo.
Chico: "A verdade é que antes do PT chegar ao poder teve uma turma que ficou 500 anos mandando aqui no Brasil e esse país se tornou um paiseco de 5º mundo. Aí, finalmente, vem um partido que faz o Brasil avançar, tira nossa coleira dos EUA, dá um pé no traseiro do FMI, alça o país a 6ª economia do mundo fazendo o PIB saltar de 1 para mais de 2,4 trilhões em uma década, tira 50 milhões de brasileiros da pobreza, cria uma nova classe média de mais de 100 milhões com emprego, renda, carteira assinada e conta no banco... Enfim, avanços extraordinários em uma década! Mas a mídia conservadora e recalcada sabota e cria um clima de que estamos à beira do abismo! E tem gente que vai na onda e não lembra do nosso passado medíocre.”
Jorg, segundo a Rede Cerrado, da qual fazia parte: "Com muita disposição e coragem lutou em defesa das florestas, seus povos e por uma sociedade mais justa e sustentável.” E nas palavras da Rede Sustentabilidade: "Mesmo depois de se aposentar, continuou um militante das causas da agroecologia e do extrativismo, sempre disposto a compartilhar conhecimentos e contribuir com os processos dos movimentos sociais que acompanhou por toda sua vida. Lutou abnegada e constantemente por uma relação sustentável entre a vida humana e demais formas de vida. Com firmeza e serenidade, trabalhava sempre por suas convicções e fazia isso com bom humor.”
Duas vidas, na verdade mil vidas. Um grande sim à vida. Um eterno sim à vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário