domingo, 24 de fevereiro de 2013

Com a renúncia do papa, abre-se espaço para renovar a Igreja?

Após a renúncia de Bento XVI, abre-se espaço para uma renovação na Igreja Católica e discussão de temas polêmicos, como pedofilia na igreja e homossexualidade?
 
GEOVANE SARAIVAPároco de Santo Afonso e escritor
Visto pelos olhos da fé, o gesto de Bento XVI, que surpreendeu o mundo, revela-nos o sopro do Espírito Santo e deve ser humildemente acolhido. Renúncia durante seis séculos era tida como um sinal de fraqueza, agora deve ser notado como uma atitude de grandeza. Num mundo marcado pelo pluralismo na diversidade de pensamentos e opções de vida, alimenta-se o sonho de esperança, onde o Espírito Santo aja em toda sua plenitude através do próximo papa que logo assumirá a função maior na Igreja Católica, sendo fermento, sal e luz para toda a humanidade. Jesus Cristo continua a afirmar: “O que vos peço é que não os tireis do mundo, mas que os guardes do mal” (Jo 17, 15). A Igreja vive inserida num mundo onde há pedofilia, homossexualidade e segunda união. Mesmo sendo uma organização de voluntários, espera-se de seus membros obrigações e vínculos, onde não se prescindem clareza e convicção. Não podemos esquecer que o futuro papa tem a tarefa de fermentar a criação, na promoção do Reino de Deus e sua justiça.
VALDEMAR MENEZESJornalista
A prioridade, a meu ver, seria: a) retorno a uma forma de exercício do papado como serviço, semelhante à do Primeiro Milênio, quando a Igreja era indivisa e quando o papa não era um monarca; b) tornar deliberativo o Sínodo dos bispos da Igreja Romana (hoje é apenas consultivo), que também seria encarregado de eleger o papa (extinguindo-se o colégio cardinalício); c) Primado do papa para transmitir decisões da Igreja universal tomadas em consenso (colégio) com os outros chefes de igrejas autônomas (patriarcados e arcebispados autocéfalos); d) abertura para aceitação de outras religiões como vias possíveis de acesso à “experiência” de Deus; e) diálogo inter-religioso, a partir da perspectiva mística da deificação (unio mystica), objetivo central de todas as religiões autênticas; f) diálogo com o mundo moderno sem rendição aos valores deste como condição para ser aceito; g) incentivo à justiça social, à paz e à democracia no mundo.
LUIS SARTORELPadre e coordenador do Centro de estudos Bíblicos do Ceará
Com certeza, a decisão do papa Bento XVI merece o nosso respeito, é corajosa, diria profética. Ninguém esperava que este papa conseguisse surpreender toda a Igreja, e o mundo, de maneira tão positiva. Na quarta-feira de Cinzas, na missa celebrada, Bento XVI apontou o dedo lembrando o que fez Jesus: “Jesus denunciou a hipocrisia religiosa, o comportamento que quer aparecer”, e ainda “o rosto da igreja é, às vezes, deturpado pela divisão no corpo eclesial”, palavras que escutei enquanto fazia o comentário a esta celebração. Ao encerrar a missa, ele dizia: “nos nossos dias, muitos estão prontos para rasgar as vestes diante de escândalos e injustiças, mas poucos parecem disponíveis para agir sobre seu próprio coração, sua própria consciência e suas próprias intenções”. Acho que este momento deve ser visto como privilegiado para repensar as estruturas que são pré-modernas de uma Igreja que deve se abrir ao diálogo com o mundo de hoje, levando em conta a transparência da qual fala Bento XVI.
FRANCISCO BORBA RIBEIRO NETO
Coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
Bento XVI quer uma Igreja centrada no encontro com Cristo e afastada do moralismo, e por isso foi relativamente renovador no campo sexual. Realizou uma reforma radical ao entregar os padres pedófilos à Justiça e reconhecer publicamente os erros cometidos por eles. Defendeu que os casais em segunda união recebessem da Igreja amor e cuidados pastorais especiais para que pudessem se integrar à vida da comunidade, apesar da interdição à comunhão. A Igreja não aceita o “casamento gay”, mas Bento XVI se posicionou contra a discriminação aos homossexuais. Manteve a condenação ao aborto, mas defendeu a acolhida e o amor à mulher grávida, para que ela recuperasse a beleza da vida e a esperança, e superasse a tentação de abortar. O próximo papa não avançará nestes campos mais que isso. O que podemos esperar é uma relação com a mídia que permita que as aberturas já existentes sejam mais conhecidas.
SANDRA HELENA DE SOUZAProfessora de Filosofia e Ética da Unifor
A renúncia de Bento XVI é estratégia de alto risco, diante de uma instituição que perde prestígio e hegemonia de modo progressivo e talvez irreversível. Não sei se ainda há seres humanos lúcidos que acreditam genuinamente que a decisão do “conclave” de cardeais manifestará o próprio “espírito santo”, por deus. A igreja do Vaticano se encontra mais uma vez numa grande sinuca de bico, pressionada pelo islamismo em solo europeu, pelo neopentecostalismo de resultados em África e América Latina, pelos seus próprios pecados sexuais e financeiros, intramuros, e pelo enquadramento da Teologia da Libertação, apostando no caminho conservador de extração mais “mística” para fazer frente à crise da modernidade secular. Bento XVI tem forte participação nesse caminho que se revelou equivocado e agora o desafio é para um titã, uma espécie de CEO do reino de deus na terra. Certamente algumas concessões serão feitas, mas apenas anéis em troca de dedos.
ANTONIO FURTADO
Padre da Comunidade Católica ShalomA Igreja é uma instituição assistida pelo Espírito Santo e, como tal, sempre contou com seu auxílio. A grande renovação dos últimos tempos começou com João XXIII no Concílio Vaticano II e teve prosseguimento com seus sucessores, inclusive com o pontificado de Bento XVI. No combate aos crimes de abuso sexual dos jovens, Bento XVI não apenas pediu perdão às vítimas como recrudesceu a norma punitiva e tornou mais exigente o processo de ingresso de candidatos ao sacerdócio a fim de evitar novos delitos por parte de membros da Igreja. Quanto a outros temas, como matrimônio de pessoas do mesmo sexo, aborto, eutanásia etc., a Igreja continuará com sua mesma postura, porque ela não é dona da Verdade, mas sua depositária. Como fiel guardiã destes valores, não pode se furtar, embora abalada pelos fortes ventos do relativismo, e abrir mão de sua missão. A Igreja, perita em humanidade, atrairá cada vez mais o homem de hoje, que busca incansavelmente a Verdade mesmo que não o saiba.
 
FONTE: JORNAL O POVO

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