"Por que os defensores dos seres vivos estão sendo tão ineficazes? A resposta é que, em parte, claro, todos somos cúmplices; todos fomos levados pela maré do hiperconsumo, por nossa ganância natural, pela propaganda corporativa a nos convencer de que inexiste custo algum nisso tudo. Mas talvez o ambientalismo também esteja afligido por uma falha mais profunda: uma falha de honestidade emocional resultante possivelmente de um constrangimento ou medo", escreve George Monbiot, jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido, que escreve semanalmente no jornal The Guardian, em artigo publicadoo no jornal The Guardian, 16-06-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
"Vejo a encíclica do Papa Francisco – a ser publicada nesta quinta-feira (18 de junho) – escreve o jornalista - como um potencial ponto de inflexão. Ela argumentará que não só a sobrevivência física dos pobres como também o nosso bem-estar espiritual depende da proteção do mundo natural; e, em ambos os aspectos, o seu autor está certo".
Eis o artigo.
Quem quer ver destruídos os seres vivos? Quem quer um pôr fim ao canto dos pássaros, às abelhas e aos recifes de coral, ao mergulho do falcão, ao pulo do salmão? Quem quer ver o solo sendo esbulhado da terra, e o mar repleto de lixo?
Ninguém. E, no entanto, estas coisas acontecem. Sete bilhões de nós permitem que as empresas de combustíveis fósseis fechem a golpes a porta atmosférica estreita através da qual a humanidade caminhou. Permitimos que a agricultura industrial arranque o solo, acabe com as árvores das colinas, engendre outra primavera silenciosa. Deixamos os proprietários darem tiros em seus galos silvestres e nos tartaranhões-azulados, nos falcões-peregrinos e nas águias. Ficamos assistindo em silêncio enquanto uma pequena frota de navios de pesca destrói os oceanos.
Ninguém. E, no entanto, estas coisas acontecem. Sete bilhões de nós permitem que as empresas de combustíveis fósseis fechem a golpes a porta atmosférica estreita através da qual a humanidade caminhou. Permitimos que a agricultura industrial arranque o solo, acabe com as árvores das colinas, engendre outra primavera silenciosa. Deixamos os proprietários darem tiros em seus galos silvestres e nos tartaranhões-azulados, nos falcões-peregrinos e nas águias. Ficamos assistindo em silêncio enquanto uma pequena frota de navios de pesca destrói os oceanos.
Por que os defensores dos seres vivos estão sendo tão ineficazes? A resposta é que, em parte, claro, todos somos cúmplices; todos fomos levados pela maré do hiperconsumo, por nossa ganância natural, pela propaganda corporativa a nos convencer de que inexiste custo algum nisso tudo. Mas talvez o ambientalismo também esteja afligido por uma falha mais profunda: uma falha de honestidade emocional resultante possivelmente de um constrangimento ou medo.
Em encontros com defensores do meio ambiente, venho pedindo para levantarem as mãos aqueles que se tornaram “defensores da natureza” porque estavam preocupados com o estado de suas contas bancárias. Até agora, nenhuma mão foi levantada. Apesar disso, vejo estes mesmos defensores basearem o apelo que fazem aos outros no argumento de que perderemos dinheiro se não protegermos o mundo natural.
Tais afirmações são factuais, porém são desonestas também: fingimos que isso é o que nos anima, quando na maioria dos casos isso não acontece. A realidade é que nós nos importamos porque amamos. A natureza apelou aos nossos corações, quando éramos crianças, muito antes de apelar para as nossas cabeças, muito menos aos nossos bolsos. No entanto, parece que estamos a acreditando que podemos convencer as pessoas a mudar suas vidas através do poder frio e mecânico da razão, apoiados em estatísticas.
Vejo a encíclica do Papa Francisco – a ser publicada nesta quinta-feira (18 de junho) – como um potencial ponto de inflexão. Ela argumentará que não só a sobrevivência física dos pobres como também o nosso bem-estar espiritual depende da proteção do mundo natural; e, em ambos os aspectos, o seu autor está certo.
Há uma abundância de católicos de elevada reputação procurando minar a defesa dos seres vivos feita pelo papa
Não quero dizer que a crença em Deus é a resposta para a nossa crise ambiental. Entre os opositores do Papa Francisco está o grupo cristão conservador Cornwall Alliance for the Stewardship of Creation, com sede nos Estados Unidos, que já escreveu ao pontífice argumentando que temos o dever sagrado de continuar queimando combustíveis fósseis, como “o céu manifesta a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra de suas mãos”. A organização também insiste que o exercício do domínio conferido à humanidade em Gênesis implica lavrar “toda a Terra”, transformando-a “de uma selva a um jardim e, finalmente, daí transformá-la no jardim da cidade”.
Há tendências parecidas dentro do Vaticano. O Cardeal George Pell, chefe das finanças vaticanas envolvido em um escândalo relacionado a padres pedófilos na Austrália, nega abertamente as mudanças climáticas. A sua palestra na Global Warming Policy Foundation apresentou alguns mitos habituais dos negadores (alegações desacreditadas que, volta e meia, vêm à tona), non sequiturs [formas falaciosas de argumentação em que a conclusão não se segue das premissas] e afirmações declaradamente inválidas, por exemplo: a afirmação de que os vulcões submarinos poderiam ser responsáveis pelo aquecimento global. Há uma abundância de católicos de elevada reputação procurando minar a defesa dos seres vivos feita pelo papa, o que poderia explicar por que um rascunho de sua encíclica vazou.
O que quero dizer é que o Papa Francisco, alguém de quem discordo profundamente em questões como a igualdade de casamento e o uso de métodos contraceptivos, lembra-nos que mundo vivo nos fornece não só os bens materiais e serviços tangíveis, mas é essencial também para outros aspectos do nosso bem-estar. E não temos de acreditar em Deus para endossarmos essa tese.
Em seu belo livro intitulado “The Moth Snowstorm”, Michael McCarthy sugere que a capacidade de amar o mundo natural, em vez de simplesmente existirmos dentro dela, pode ser uma característica exclusivamente humana. Quando ficamos perto da natureza, nós às vezes nos encontramos, como dizem os cristãos, surpresos pela alegria: “A felicidade com um tom de algo mais, o que poderíamos chamar de uma qualidade elevada ou, melhor, espiritual”.
McCarthy acredita que estamos prontos para desenvolver uma rica relação emotiva com a natureza. Inúmeras pesquisas sugerem que o contato com o mundo natural, com os seres vivos, é essencial para o nosso bem-estar psicológico e fisiológico. (Por exemplo, um artigo publicado esta semana afirma que os espaços verdes em torno de escolas da cidade melhoram o desempenho intelectual das crianças. [1])
Isso não significa que todas as pessoas amam a natureza; significa, McCarthy propõe, é que há uma propensão universal a amá-la, que pode ser abafada pelos barulhos que assaltam os nossos ouvidos. Como encontrei enquanto trabalhava como voluntário na organização caritativa Wide Horizons, este amor pode ser provocado quase de imediato, mesmo entre crianças que nunca tenham visitado o interior do país. A natureza, sustenta McCarthy, continua a ser a nossa casa: “o verdadeiro paraíso para nossa psique”, e mantém uma capacidade surpreendente de trazer a paz a mentes perturbadas.
O reconhecimento do nosso amor pelos seres vivos faz algo que uma biblioteca repleta de livros não consegue fazer
O reconhecimento do nosso amor pelos seres vivos faz algo que uma biblioteca repleta de livros sobre desenvolvimento sustentável e ecossistema não consegue fazer: ela engaja a imaginação bem como o intelecto. Ela inspira crença; e isso é essencial para o sucesso duradouro de qualquer movimento.
Será esta uma versão da convicção religiosa de que fala o Papa Francisco? Ou poderia a sua religião ser uma versão de um amor muito mais profundo e mais velho? Será que uma crença em Deus pode ser uma forma de explicar e canalizar a alegria, a explosão de amor que a natureza, por vezes, nos inspira? Por outro lado, poderá o hiperconsumo ser uma resposta ao tédio ecológico que tanto os ambientalistas religiosos quanto os seculares lamentam: o vazio que uma perda de contato com o mundo natural deixa em nossa psique?
Claro, isso não dá conta de todo o problema. Se o reconhecimento do amor torna-se o meio pelo qual inspiramos o ambientalismo nos outros, como podemos traduzi-lo em mudanças políticas? Eu acredito, porém, que este reconhecimento é um melhor fundamento para a ação do que fingirmos que o que realmente importa para nós é o estado da economia. Ao sermos honestos sobre as nossas motivações, poderemos inspirar nos outros as paixões que nos inspiram.
Nota:
1.- Confira aqui artigo intitulado “Green spaces improve schoolchildren’s mental development, study finds”.
fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/543660-por-que-lutamos-pelos-seres-vivos-e-por-amor-e-chegou-a-vez-de-assim-dizermos
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