
(7 de fevereiro de
1909 – 27 de agosto de 1999)
EM
COMEMORAÇÃO AO DIA DE NASCIMENTO DO DOM
Primeira cena:
Quando da celebração da Missa de corpo
presente de Dom Helder no pátio da catedral de Olinda e Recife, em 28 de agosto
de 1999, acontece algo inusitado: de repente uma pessoa se solta do meio da
multidão e coloca a bandeira do Movimento
dos Sem Terra sobre o caixão do Dom: um profundo silêncio, alguns olhares
perturbados, o Núncio Apostólico, presidindo a cerimônia, pergunta a um dos
padres: “Que bandeira é esta?!” ..... Ninguém ousa remover este símbolo por
mais justiça e paz na terra. Mais tarde, ao sepultar o corpo cansado do Dom, a
bandeira permanece onde fora colocada, e, pouco a pouco, há de integrar-se à
terra junto com aquele que dedicou a sua vida à defesa daqueles que não
“possuem um palmo de terra para sobreviver”, como rezava em sua oração à
Mariama na ‘Missa dos Quilombos’.
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Segunda cena:
Quando da exumação dos restos mortais do Dom,
em 17 de agosto de 2012, se encontrava lá a bandeira do MST intacta, envolta nos
restos do caixão. O corpo, as roupas, o próprio caixão, tudo consumado pelo
tempo. Só a bandeira intacta! Hoje está exposta no memorial do Dom na Igreja
das Fronteiras no Recife.
O que o Dom nos ensina?
Em toda sua vida, Helder Camara deixou-se
modular por Deus. Que Deus? O Deus dos pequenos, dos pobres, dos maltrapilhos,
dos sem terra, sem teto, sem roupa, sem participação no assim chamado progresso
do mundo. É o Deus dos povos da América Latina, chamada por Dom Helder de “a
vila cristã do mundo pobre”. Na sua “Sinfonia dos Dois Mundos”, ele analisa que
a miséria é a violência n.° 1 deste mundo pobre, afirmando: “Miséria que
engloba sub-habitação, sub-trabalho, sub-diversão, sub-saúde, sub-vida,
opressão: são estas as formas de violência que geram todas as outras”. É neste
mundo que ele via-se presente. Era bispo da Igreja, mas era bispo para o mundo,
tornando-se “sal da terra e luz do mundo” (cf. Mt 5, 13.14), como o Evangelho
de Cristo manda ser todos os seus enviados.
Ele se tornou, assim como nosso Dom Aloísio, um
dos arquitetos de uma Igreja presente no mundo, a partir e no meio dos empobrecidos.
Na vida destes, ele não queria ser somente mais um que praticava a caridade,
mas levava os próprios pobres a entenderem as causas da pobreza, da miséria, do
descaso, apontando para as estruturas sociais, os mecanismos econômicos e a
falta de compromissos políticos. Ele disse: “Homem, meu irmão, que fizeste dos
pobres? Que fizeste da Ásia, da África, da América Latina da terra batida, da
criança ensolarada?”. E ele dava seu recado: “Dizem que estar do lado dos pobres
é comunismo, mas é ..... é Evangelho, Mariama!”
O Dom nada fazia sem consultar seu maior
amigo: o próprio Cristo, com quem manteve longas conversas na madrugada de
todos os dias, diante do altar de quem dançava, inspirado por quem escrevia
seus discursos, suas poesias, suas cartas e no altar de quem derramava lágrimas
todas as vezes quando celebrava o amor de Cristo vivido na celebração
eucarística, isto é na partilha do pão, gesto este que continuará “mistério”,
enquanto a humanidade toda não aprenda a partilhar seus dons espirituais e
materiais.
Encontramos deste modo o profeta Helder.
Profeta é
aquele que, na calada da noite, escuta
seu Deus a fim de saber a quem se dirigir e o que falar, pois o profeta é
aquele que empresta sua língua a Deus a fim de que Este fale.

O profeta
testemunha! Dom Helder
optou livremente por uma vida austera, simples, junto dos seus irmãos, os
pobres, seguindo os exemplos de dois gigantes do amor aos pobres na história:
Francisco de Assis e Vicente de Paulo. O testemunho do Dom da Paz brotava
justamente do perfeito equilíbrio, que havia nele, entre contemplação e ação,
fé e vida.
Que a sociedade e, de forma especial, as
igrejas, permitam que haja sempre homens e mulheres livres, desimpedidos e com
os pés no chão, na vida real, testemunhando o dom da “vida em abundância”,
cantado por Reginaldo Veloso como “o sonho mais lindo de Deus”. Dom Helder
realizou aquela parte deste sonho de Deus que lhe coube. Nossa homenagem a este
grande cearense será tornarmos real, na vida dos outros, este sonho de Deus.
Geraldo
Frencken, teólogo
Fortaleza, fevereiro
de 2015
FONTE: ENVIADO POR E-MAIL PELO AUTOR
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